Trabalho de Conclusão de Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Título: UM ESTUDO ACERCA DO PENSAMENTO RELACIONAL SISTÊMICO E DOS ASPECTOS DA COMUNICAÇÃO FAMILIAR
Autor: Psic. PAULA BATISTA AZÊDO DE OLIVEIRA
Março - 2010
Dedico este trabalho aos meus pais, à minha
irmã, à minha tia e amigos que estiveram
comigo durante esse período de
especialização e na realização deste projeto.
Sempre orando, incentivando e apoiando
com amor e compreensão a realização dessa
caminhada em busca de mais uma etapa da
minha formação profissional.
AGRADECIMENTOS
À Deus por seu amor incondicional, por sua graça e misericórdia, pela Sua palavra que é viva e eficaz, que dirige os meus passos!
Especialmente aos meus pais: José Adriano Azêdo de Oliveira e Etra Lúcia Batista Azêdo de Oliveira por me permitirem total dedicação aos estudos, pelo esforço e dedicação deles para que não me faltasse nada!
Especialmente à minha irmã Márcia Batista Azêdo de Oliveira pela convivência, por fazer parte de cada fase desse aprendizado não só profissional, mas pessoal; além de todo apoio!
À tia Lúcia de Fátima Azêdo Batista pelos cuidados e pela companhia!
Aos meus amigos que são tão especiais, presentes incontáveis de Deus para mim e que estiveram em todos os momentos comigo. Priscyla Proença, Luciana Lima, Andréa Miriam, Luiza Nascimento, Camila Paz, Sara Raquel, Sarah Bemerguy, Elis Begot, Liége Bemerguy, Flávia Coelho, Belle Maia, todo o grupo “Expressando Louvor” e Raphael Pacheco!
Ao meu grupo de estágio João Amaro Ferreira Neto, Karine Soares Miranda, Taíssa Chaves Bezerra e Fernanda Monteiro Lima que compartilharam comigo momentos de pequenos erros, grandes aprendizagens e muitas possibilidades!
À Selma Bisi minha professora e supervisora que ensinou com muita ética, sabedoria e leveza os primeiros passos para a prática do Atendimento Familiar e de Casal Sistêmico!
À Solange Maria Rosset minha professora e orientadora que proporcionou momentos de aprendizados e possibilidades tão importantes em sala de aula e que pacientemente orientou esse trabalho apesar da distância!
Relações sistêmicas, aceitação das
diferenças, uma comunicação clara, sincera
e a constante vontade de aprender sobre si
mesmo e sobre o outro são possibilidades
infinitas de amadurecimento.
Paula B. A. de Oliveira.
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO
1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO RELACIONAL SISTÊMICO
Terapia relacional sistêmica
1.2. Sistema familiar
2. ASPECTOS DA COMUNICAÇÃO FAMILIAR SOB O OLHAR RELACIONAL SISTÊMICO
2.1. Características da comunicação familiar
3. PAPEL DO TERAPEUTA RELACIONAL SISTÊMICO
II. REFERENCIAL METODOLÓGICO
1. INSTRUMENTOS E TÉCNICAS
2. PROCEDIMENTOS
3. METODOLOGIA
III. CONSIDERAÇÕES FINAIS
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS
I. INTRODUÇÃO
A palavra família sugere algumas definições, depende do aspecto que norteia o nosso pensamento. Ouve-se falar que a família é o projeto de Deus para vida das pessoas, que é o núcleo da sociedade, que a família constitui-se como um lugar seguro para onde voltar quando necessário, que são pessoas ligadas porque têm laços consangüíneos, vivem numa mesma casa ou como canta o artista, família pode ser “unida, e também muito ouriçada, brigam por qualquer razão”; família é família, não se escolhe, aprende-se a conviver e para quem quiser aprende-se a amá-la.
Para o pensamento relacional sistêmico a família constitui um sistema de funcionamento circular, que possui subsistemas com funções definidas para cada um; essas funções circulam entre as pessoas que fazem parte do sistema enquanto relacionam-se entre si; e dependendo das fronteiras do sistema haverá um padrão de funcionamento que será mais funcional ou menos funcional; influenciando cada um, um ao outro na circularidade de seus comportamentos, de forma concomitante; permitindo ou atrapalhando o livre trânsito das pessoas em papéis diferentes. Claro, sem o desejo de que ultrapassem os limites entre os subsistemas, mas com o desejo de que abram sempre novas possibilidades de aprendizagens. Olhar sistemicamente para o problema de uma família não significa procurar a bruxa e a princesa, mocinhas e vilões; e sim abrir os olhos para enxergar em ângulos diferentes o que a família traz como problema no tempo e no contexto em que está inserida. Há muito que se conhecer na história de uma família, o que afasta o pensamento linear que busca causas, efeitos, que julga e rotula; há de se ter disponibilidade para investigar a história da família em três gerações diferentes para localizar melhor o lugar em que a família se encontra. Assim o olhar sistêmico sobre o problema que a família apresenta não o reduz em si mesmo, e nem aponta um membro da família que seja o “causador” do problema, o doente, o complicado; porque toda a família presente na terapia relacional sistêmica será convidada a falar, comunicar algo sobre o que a levou até a terapia, assim todos se implicarão e haverá a dissolução do problema inicial (queixa) e do papel do membro “causador” do problema. É exatamente nessa troca de informações entre a família e o terapeuta que vão surgir os aspectos da comunicação familiar desse sistema. O fenômeno da comunicação e a definição de regras de relação foram os fenômenos precursores da definição da família como um sistema (AUN, 2006).
Foi mostrado ao longo do trabalho o pensamento relacional sistêmico sobre o qual apóia-se a terapia relacional sistêmica, bem como pretendeu-se mostrar a comunicação e seus aspectos relacionais familiares. As considerações teóricas deste trabalho foram pautadas em pesquisa bibliográfica, realizada para fundamentação do mesmo a fim de tornar claro o tema proposto. Este trabalho visou contribuir para a formação de outros colegas na área da Psicologia familiar e para a atualização de profissionais já atuantes. No objetivo geral deste trabalho a intenção foi entender o pensamento relacional sistêmico e alguns aspectos da comunicação nas relações familiares. Nos objetivos específicos a intenção foi revelar considerações sobre o pensamento relacional sistêmico necessários ao atendimento familiar; descrever os aspectos da comunicação nas relações familiares e revelar o papel do terapeuta relacional sistêmico de família.
1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO RELACIONAL SISTÊMICO
As sociedades modernas são construídas pela ciência que busca explicar, prever e controlar fenômenos; elas se constituem dentro dos limites de seus conhecimentos científicos e de seus fatos históricos, gerando uma cultura impermeável e rígida ao longo dos anos. Assim hoje há muitos estudiosos e sábios nas sociedades que presumem ter um certo poder concedido pela sua gama de conhecimentos e alguns se valem do poder de seu título conquistado para não oportunizar ao outro questionar ou acrescentar algo sobre determinado conhecimento. Então surge o pensamento relacional sistêmico, em meio a tantos conhecimentos uma forma diferente e leve de pensar que vem quebrar paradigmas cristalizados em nossos pensamentos. Pois vemos o mundo através dos nossos paradigmas, o que pode nos prejudicar no sentido de viver em um quadrado, cristalizados em forma única de pensar e agir. Os paradigmas vêm da história pessoal de cada um e da ciência que se escolhe estudar. Para superar um paradigma ou quebrá-lo precisamos de fé e coragem, até porque alguns deles perdem sua função ou tornam-se inadequados para o contexto.
De acordo com Rosset (2008) no pensamento relacional sistêmico uma das primeiras coisas das quais se abre mão é da segurança em acreditar que existe uma separação, uma clareza entre o certo e o errado, pois o certo muda e perde a importância dependendo do ângulo a partir do qual olhamos a situação. Na compreensão linear e simplista da vida, o foco ou a preocupação principal na avaliação das situações é descobrir o porquê das reações e dos fatos. Isso se dá pela crença de que teremos controle sobre as respostas e os efeitos se definirmos qual é a sua causa. No entanto, a vida e as relações são complexas e multicausais. Por isso não vale a posição de dono da verdade absoluta porque assim a realidade fica delimitada, os papéis e as hipóteses ficarão cristalizados e haverá muito pouco para fazer além de condenar, punir, culpar. Crer que as relações são circulares, são co-desencadeadoras e que o comportamento de um desencadeia e mantém o comportamento do outro, e vice-versa, abre novas possibilidades de compreensão.
Através deste novo caminho o terapeuta abre mão do seu suposto saber, quebra antigos paradigmas e pode adotar o pensamento relacional sistêmico que é um pensamento integrador, o terapeuta não aplica suas teorias e técnicas, mas se implica com as mesmas em relação a quem recebe seu conhecimento. Por exemplo, o terapeuta relacional sistêmico vai resgatar seu conhecimento sendo mais livre para usá-lo com seus clientes, sentindo-se próximo a eles.
O mundo passa a ser pensado e descrito em termos de sistemas – conjuntos de elementos em interação. O foco passa a estar nas relações, não só as relações entre os elementos do sistema, mas também as relações entre o sistema e aquele que o descreve e trabalha com ele. Amplia-se o foco: do elemento (indivíduo) para o sistema (a família, o grupo de trabalho, a escola), e para os sistemas de sistemas (os ecossistemas, as redes sociais, as comunidades, as nações, as comunidades internacionais) (AUN, 2006, p. 78).
O pensamento relacional sistêmico integra, ao invés de determinar ou isto, ou aquilo; é isso, não é isso. Ele considera tanto isso, quanto aquilo. O conceito relacional sistêmico mostra isso em relação com isso, é uma visão relacional dos fatos e não causal; é sistêmico e não é linear. Como vimos a forma linear de pensar leva o profissional a buscar causas e efeitos, “o desejo é de encontrar explicações e compreender” (ROSSET, 2007, p. 15) porém, sistemicamente pensando:
A avaliação é muito mais complexa; exige disponibilidade em olhar todos os ângulos e situações sem pré-conceitos. A preocupação sistêmica é de enxergar o quê e como algo está acontecendo. Então, o foco não é no passado, buscando-se algo ou alguém no passado pelo que aconteceu, mas no presente, avaliando-se quem está envolvido na situação, de que modo, quais são os padrões relacionais que estão ocorrendo. Assim, mais importantes do que os conteúdos são os padrões de interação e funcionamento, sempre conectados com o momento e o contexto (ROSSET, 2007, p. 15).
Aun (2006) acredita que a forma sistêmica de pensar trará inovações primordiais para aqueles que a assumirem, podendo proporcionar mudanças de base em nossa forma de estar e agir no mundo. “Na proposta sistêmica, o desejo é de buscar novas alternativas de funcionamento e mudança” (ROSSET, 2007, p. 15). Com essa visão o profissional reconhece que percebe e age nessa busca a partir das possibilidades contidas em sua estrutura.
Alguns aspectos são muito importantes para um terapeuta relacional sistêmico que trabalha com famílias, pois os mesmos podem ser a base das suas buscas por novas alternativas de funcionamento e mudança no grupo familiar.
Dentro de uma situação-problema não existe a vítima ou o bandido, no sentido de que ainda que alguém da família não se veja parte daquele problema, ou tenha seu papel em um desses lugares, todos são responsáveis, cada um tem a parte que lhe cabe, ainda que não esteja clara na sua consciência.
Se nos posicionamos como juízes, vítimas ou bandidos, a realidade fica delimitada, os papéis e as hipóteses ficam cristalizados e muito pouco há para se fazer além de condenar, punir, culpar. Acreditamos que os lances de relacionamento são circulares, são co-desencadeadores; que o comportamento de um desencadeia e mantém o comportamento do outro e vice-versa (ROSSET, 2007, p. 15).
De acordo com Rosset (2007) se cada um na família compreender que é parceiro naquela situação, todos passam a se responsabilizar pelo que acontece. Sendo responsáveis e potentes os membros da família se tornam soberanos e podem desencadear as próprias mudanças, mudar o andamento e encerrar a situação-problema.
A antiga discussão de quem está certo e de quem está errado perde seu teor de confusão e acusação quando percebe-se que o certo depende do ângulo do qual está sendo focada determinada situação, a partir do contexto e da configuração atual em que ela acontece (ROSSET, 2007). Semelhante a discussão do certo e do errado é a discussão da causa e do efeito que gera a necessidade de apontar o “causador” do incêndio, de saber quem riscou o fósforo, provocou o incêndio e fez todo o estrago. Pensar assim leva ao achado de culpados e vítimas num entendimento linear e vertical da situação, gerando perda da mobilidade e flexibilidade nas relações. Bem diferente da proposta de entendimento circular, sistêmico com a qual se pode ver “... que cada um tem a sua participação e responsabilidade, que todos se influenciam reciprocamente, independente da idade que têm” (ROSSET, 2007, p. 16). Isso traz certa frustração para quem acha que não tem nada a ver com o problema de sua família que é um grupo onde constantemente expectativas são frustradas, principalmente nos que levam a tarefa de ser pais, pois “apesar de ser difícil lidar com as situações e relações, os pais precisam saber que ser diferente do projeto alheio é muito saudável e funcional” (ROSSET, 2007, p. 18). Um terapeuta relacional sistêmico há de precisar perceber sua própria ambivalência para torná-la útil em sua relação terapêutica com a família. “É ambivalente toda pessoa que, em uma dada situação, experimenta sentimentos contraditórios ou manifesta, simultaneamente, atitudes opostas” (ROSSET, 2007, p. 18).
Se acreditar que não existe certo e errado pré-definidos... Se souber que não existem vítimas e bandidos, vou olhar as situações com novos olhos... Se compreender que tudo é uma questão escolhida e o que faz a diferença é o nível de consciência das escolhas, vou direcionar nossa relação de forma a facilitar a tomada de consciência e de responsabilidades... (ROSSET, 2007, p. 16).
De acordo com o funcionamento sistêmico o terapeuta relacional pode facilitar tanto a sua tomada de consciência e de responsabilidades quanto a da família que atende. E assim, em conseqüência da relação que busca proporcionar mudança para a família, o terapeuta também pode vivenciar momentos de muitas aprendizagens.
Terapia relacional sistêmica
Conforme Martins e Bicudo (2003) o mundo no qual o homem vivencia suas experiências é um mundo social e cultural, onde as pessoas se relacionam de formas múltiplas em suas interações com semelhantes aos quais conhece em graus diversos de intimidade e de normas; com isso é possível conhecer e compreender a conduta do outro, seus motivos, objetivos, escolhas e planos que se originam em circunstâncias diversas. Porém, é apenas em situações particulares e de modo fragmentário que se pode experienciar os significados do outro que, em sua unicidade, são por ele atribuídos às suas ações. E é exatamente essa possibilidade que se vê na terapia relacional sistêmica. Pois ela proporciona momentos em que a família se reúne em sessões semanais ou quinzenais de terapia relacional sistêmica, que podem ser associadas às situações particulares e de modo fragmentário citadas; e conseqüentemente dá a família a possibilidade de descobrir e experienciar os significados uns dos outros. Podendo também aprender a respeitar as diferenças entre cada um. E por falarmos em diferenças faz-se necessário esclarecer que a Terapia Relacional Sistêmica recebeu este nome desde 1989 e Rosset (2001, p. 125) explica:
“Sistêmica porque o enquadramento, a proposta terapêutica, o trabalho focado, e a leitura básica são realizados dentro deste enfoque. E Relacional porque integramos a proposta relacional do Psicodrama, propondo um trabalho focado na relação terapêutica cliente/terapeuta, na compreensão dos conteúdos relacionais da situação real do cliente, na compreensão do homem como um ser em relação; e nas Terapias Corporais que permitem auxiliar o cliente a perceber e ter mais controle sobre seus traços de caráter através do trabalho relacional na sessão terapêutica”.
Como vimos esta terapia nos proporciona a visão da problemática da família, só que em relação, por isso pode-se dizer terapia relacional sistêmica. Ela tem a visão do relacionamento familiar focada no desenvolvimento trigeracional das relações, que pressupõe a leitura dos mitos, ritos e ideais familiares, que são construídos através das gerações familiares. Na terapia relacional sistêmica há uma co-responsabilidade do processo entre terapeuta e cliente (pessoa, família ou grupo – nesse trabalho o cliente será sempre a família), o convite é para que cada membro da família não só faça suas escolhas, mas se responsabilize por elas; o olhar é redondo, vê ao redor, vê as circunstâncias em torno do problema.
Na raiz da terapia relacional sistêmica encontra-se o psicodrama, a terapia corporal e a terapia sistêmica e no seu tronco pressupostos como o trabalho com a consciência, ou seja, ajudar cada familiar a ter consciência de si, enxergar o seu jeito de funcionamento para poder entrar em processo de mudança; trabalho com aprendizagem e mudança; e trabalho com padrão de funcionamento, pois mais importante que o relato do problema da família é a forma que se repete nos demais relatos que a família apresenta, ou seja, o padrão de funcionamento e quanto dele essa família percebe. É como a família faz? Pra quê ela faz? Consciente do seu funcionamento a família sabe o que precisa aprender naquele momento e assim mudar. Esse é um tipo de aprendizagem, é aquela que a vida está pedindo naquele momento. “O instrumento desta terapia é para modificar o presente, não para explorar e interpretar o passado” (MINUCHIN, 1982, p. 23). Há também a aprendizagem familiar e, portanto, sistêmica; que se aprende no dia-a-dia, que é, por exemplo; de acordo com Rosset (2007) saber pertencer e separar, é a possibilidade de se entregar pelo sentimento de fazer parte. “Quem registrou que faz parte, que pertence, aprende a se separar, a lidar com a solidão, sem culpas... Para viver bem sozinho, é necessário ter certeza de que faz parte!” (ROSSET, 2007, p. 128).
A experiência humana de identidade tem dois elementos: um sentido de pertencimento e um sentido de ser separado. O sentido de separação e de individuação ocorre através da participação em diferentes subsistemas familiares em diferentes contextos familiares, tanto quanto através da participação em grupos extrafamiliares (MINUCHIN, 1982, p. 53).
Nos galhos estão as ações do terapeuta para desencadear um processo de mudança na família e claro, somados ao desejo e ação dos membros para mudar. Quando família e terapeuta, ambos conseguem redefinir o curso do problema no sistema, definindo para onde a família quer levar sua relação e como o terapeuta pode ajudar a dar os primeiros passos, a terapia pode ter boas mudanças que são os frutos e que depois serão colhidos.
1.2. Sistema familiar
O sistema “família” tem seu funcionamento próprio, são forças adaptativas que superam expectativas, são possibilidades de mudanças e novas circunstâncias que surgem. A família é um sistema aberto em transformação e se adapta à medida que surgem novos estágios em seu desenvolvimento; assim considera Minuchin (1982). Uma família é um sistema que funciona através de padrões transacionais, estes padrões regulam o comportamento de cada integrante da família, independente da idade. Transações repetidas estabelecem padrões de como, quando e com quem se relacionar, sendo que estes padrões reforçam o sistema conforme Minuchin (1982). Por exemplo, numa sessão de cinema a mãe diz ao filho para falar mais baixo e o filho obedece, nesse momento se estabelece quem ela é em relação a ele e quem ele é em relação a ela naquela circunstância. Nesse exemplo vemos também uma função sendo executada e dentro do sistema familiar há funções diferentes.
A mãe, o filho são indivíduos dentro da família e juntos, em díade formam um subsistema que pode ser formado por esposo e esposa, irmão e irmã e assim pertencerem a subsistemas diferentes, com funções específicas para cada um, níveis de poder e habilidades diferenciadas.
De acordo com Minuchin (1982) em um subsistema encontram-se fronteiras que são as regras que definem quem participa e como do funcionamento familiar, colocando um limite no comportamento de cada subsistema. Por exemplo, o filho mais velho que se sente preterido pela mãe e sempre é chamado atenção pode querer na ausência dela reproduzir isso com seu irmão mais novo e mandar nele. É quando entra a mãe ou o pai e explica ao filho mais velho que ele não é pai e nem mãe de seu irmão e se ele precisar ser chamado atenção, eles o farão. Assim a função da existência de uma fronteira nítida como a do exemplo, é proteger a diferenciação do sistema. Pois, “quando as fronteiras dentro da família (casal, filhos, pais) não são bem definidas, é comum ter um filho ocupando uma tarefa ou uma função que não deveria ser sua” (ROSSET, 2007, p. 67).
Para o funcionamento apropriado da família, as fronteiras dos subsistemas devem ser nítidas. Devem ser definidas suficientemente bem para permitir que os membros do sistema levem a cabo as suas funções, sem interferência indevida, mas devem admitir contato entre os membros do subsistema e outros. A composição de subsistemas, organizada em torno das funções familiares, não é especialmente tão significativa quanto a nitidez das fronteiras do subsistema. Um sistema parental, que inclui uma avó ou uma criança parental, pode funcionar muito bem, desde que as linhas de responsabilidades e autoridade sejam nitidamente delineadas (MINUCHIN, 1982, p. 59).
O subsistema conjugal é formado quando duas pessoas que se consideram adultas se unem, com o propósito expresso de formar uma família. Ambos têm tarefas e funções específicas, vitais para o funcionamento da família, “pois é a relação de maior intimidade que se tem, na qual aparecem o melhor e o pior de cada um dos dois, possibilitando maior aprimoramento” (ROSSET, 2007, p. 68). De acordo com a descrição de Minuchin (1982) as habilidades principais necessárias para um casal colocar em ação as suas tarefas são complementaridade e acomodação mútua gerando um apoio recíproco no funcionamento de cada um em diversas áreas. “A aceitação da interdependência mútua, numa relação simétrica, pode ser prejudicada pela insistência dos esposos em seus direitos independentes” (MINUCHIN, 1982, p. 61).
O subsistema parental forma-se a partir do nascimento do primeiro filho e sem que se possa perder o apoio mútuo o casal vai adquirir um novo papel, o de proporcionar a criança amor, limites e socialização. “... Tem as funções de nutrição, controle e orientação dos filhos, dando autonomia apropriada à idade, mas usando a autoridade necessária” (ROSSET, 2007, p. 68). É necessária a criação de uma fronteira entre o subsistema conjugal e o parental, de forma que a criança tenha livre acesso aos seus pais sem ter acesso e muito menos assumir qualquer função do subsistema do casal.
O subsistema fraternal é o mundo dos irmãos que na essência constitui as primeiras vivências de busca, talvez de competição que um irmão tem com o outro, por mais atenção, por amigos, por aliados ou por validação de seus comportamentos. Em algum momento um irmão vai competir com o outro por algo que quer dos pais ou do grupo extrafamiliar que os envolve e não só isso; a convivência desse subsistema leva-os a aprender também a negociar e cooperar. É um momento oportuno para os pais os ensinarem a brigar, brigar para resolver seus impasses, para colocar seus pontos de vista sem acusar o outro. Porém, como diria Rosset (2007, p. 20) “Não se ensina o que não se sabe. Não se mostra o que não se tem”. A autora também ressalta que “quem não viveu não registra a experiência. No entanto, se tivermos paciência para mostrar as diversas conseqüências de determinadas atitudes, as crianças aprendem a tomar decisões e serem responsáveis por elas”. Além disso, dentro de seu subsistema os irmãos deveriam ter seu espaço para exercitar seu direito à privacidade, escolherem suas próprias áreas de interesse e fossem livres para explorar e entrar em contato com o que faz parte do mundo deles, tendo a permissão de errar, acertar, cair, levantar e voltar a cair. A falta desse subsistema na vida de um filho único significa a ausência de todas essas possibilidades e pode gerar dificuldades no desenvolvimento destes aspectos.
O que fará grande diferença no sistema familiar são os aspectos da comunicação entre cada membro e a forma como sentimentos e pensamentos são comunicados.
2. ASPECTOS DA COMUNICAÇÃO FAMILIAR SOB O OLHAR RELACIONAL SISTÊMICO
Os sistemas humanos mantêm trocas de mensagens através da comunicação. Ato de emitir e receber mensagens por diversas maneiras faladas, escritas, por símbolos, signos ou sinais, independente do recurso utilizado nessa troca, seja ele tecnológico, sonoro ou visual, são formas de comunicar-se. Pela ciência tradicional essas mensagens têm um emissor, um canal e um receptor. Ao elaborar a mensagem há o uso de um código, o emissor codifica a mensagem e o receptor decodifica a mesma, sendo que no percurso da mensagem podem ocorrer interferências, ruídos. Assim, através desse tipo de comunicação as relações são “coisificadas”, usa-se o verbo ser, por exemplo, dizer para pessoa: Você é nervosa! Ao invés de usar o verbo estar e manter o foco na relação dizendo: Você está nervosa. O que vale é o aqui e agora.
A partir do pensamento relacional sistêmico temos uma nova concepção de comunicação e a partir dela pode-se ampliar o foco, não manter o foco somente no problema, mas focalizar as relações familiares, buscar as regras dessas relações e procurar trabalhar com o contexto constituído em torno do problema, ou seja, observar a família no seu contexto (em suas regras de relações) que na maioria das vezes estão implícitas e que a família nem percebe; mas que cabe ao terapeuta observar seus acontecimentos e suas repetições. O olhar relacional sistêmico não fica preso ao conteúdo que a família comunica, mas procura ver o contexto de onde essa família vem e em qual ela está quando se apresenta na terapia. De acordo com Minuchin (1982, p. 194) “expandindo o problema, além do foco da família, o terapeuta evoca a esperança de que uma maneira diferente de encarar o problema trará uma solução”. O terapeuta pode também legitimar a verdade de cada membro da família, treinar para não responder começando pelo “não”, pois o que cada um traz é a sua verdade que deve ser reconhecida e legitimada na relação terapêutica. Ao co-participar da situação do outro é possível construir a “verdade” da relação juntos.
2.1. Características da comunicação familiar
Para entrar na casa de qualquer família devemos entrar com respeito e educação; e para entrar no terreno da comunicação de uma família não é diferente, pois vamos ouvir o que acontece na intimidade da convivência de pessoas muito próximas e em alguns momentos abrir o caminho e facilitar para que eles caminhem numa estrada de difícil acesso, que são os assuntos velados, pouco ou nunca falados no dia-a-dia e para isso Rosset (2008) nos diz que precisamos ter respeito e compaixão para ver através deles o padrão de funcionamento das pessoas, o que elas têm para aprender, evitando-se o risco de trabalhar com um pensamento linear e preconceituoso, pois todas as famílias têm assuntos que são difíceis de serem abordados. O terapeuta precisa ter uma postura equilibrada; ter respeito pelas dificuldades, sem evitar abordá-las. Entre os itens que são mais comuns estão: segredos, adoção, homossexualidade, doenças familiares, deficiências ou incompetências.
Uma das questões que a família apresenta é querer saber o porquê de tudo que está acontecendo, porquê não conseguem resolver tal impasse, porquê chegaram a terapia e muitos porquês vão surgindo, mas o terapeuta deve evitar essa busca e saber que “o porquê não importa; importa como algo acontece, para quê isso acontece. Focar no para quê direciona ao presente e ao futuro, à mudança, à complexidade e à escolha e responsabilidade” (ROSSET, 2008, p. 109). Ao focarmos no para quê, evitamos o risco de conduzir a comunicação com a família através do pensamento linear e simplista. E proporcionamos à família uma terapia que promoverá crescimento, ajudando-os a comunicarem temas difíceis como os seus sentimentos e necessidades. Ao falarmos sobre crescimento em terapia, lembramos de Virgínia Satir citada em ROSSET, 2001, p. 62.
“A terapia de crescimento está baseada na premissa de que é possível ensinar as pessoas a serem congruentes, a falarem direta e claramente, e a comunicarem seus sentimentos, pensamentos e desejos acuradamente, a fim de serem capazes de lidar com as coisas tal como elas são”.
E como é fundamental para os membros da família aprender a traduzir em palavras aquilo que se passa dentro deles! Pois “a forma como as pessoas fazem e dizem é tão ou mais importante do que os conteúdos que são explicitados. O que se grava é a emoção do momento” (ROSSET, 2007, p. 37). O que se passa dentro das pessoas, passa por algum lugar então, passa pelo não dito, pelo olhar. Por exemplo, imaginem quantos olhares são trocados no vai e vem das pessoas dentro de casa. Entre pais e filhos o olhar é um meio importante e primitivo de troca de informação, em Rosset (2007, p. 38) encontramos algo muito interessante sobre aquilo que os terapeutas de influência reichiana acreditam; eles definiram que a primeira fase de desenvolvimento do caráter e da personalidade se chama Fase Ocular e ela inicia no momento exato do nascimento de uma criança, na primeira sensação ocular que o bebê tem. “O olhar é o primeiro, o maior e o melhor meio de comunicação e de passagem de informação entre os pais e as crianças”. E a autora não fala somente em visão, mas em “porta de entrada e registro de energias, emoções e relações”. Hoje em dia já não ouvimos falar tanto que isso funciona, mas antigamente quantos pais conseguiam a obediência ou o temor dos seus filhos só pelo olhar... Hoje é preciso olhar e saber falar para o filho aquilo que se deseja. E mesmo falando nem sempre os pais conseguem transmitir a mensagem desejada e aí surgem as duplas mensagens. “Dupla mensagem significa que dizemos uma coisa verbalmente e mostramos outra corporalmente ou com outra linguagem não-verbal. Ela será perigosa só se for a única forma de comunicação, o tempo todo, durante toda a formação da criança” (ROSSET, 2007, p. 19). A coerência é importante entre o que se fala e o que se transmite no olhar. Falar é fazer parte, é assumir um espaço no sistema familiar e social. “Falar é a expressão efetiva da comunicação com os outros; por essa razão, é um elemento definidor de pertencimentos familiares e externos à família” (ROSSET, 2007, p. 49). Na convivência familiar é importante ter espaço para que todos falem e contem suas histórias, sejam elas do presente, do passado ou sobre o futuro, para isso precisamos de flexibilidade e tolerância para haja o interesse espontâneo em saber, por exemplo: Como foi teu dia hoje? E para haver a sensação de poder confiar e contar: Meu dia hoje foi assim. Ou vice-versa, flexibilidade e tolerância também são importantes na hora de respeitar o silêncio de ambos. O que nos lembra outro aspecto da comunicação familiar que é o de trocar histórias diferentes, sejam elas contraditórias, coerentes ou não, o que vale no sistema familiar é a capacidade de aceitar a entrada de novas informações a todo momento. As pessoas se comunicam o tempo todo e são suscetíveis a erros e incoerências em qualquer grupo social e acredita-se que mais ainda no grupo familiar; com isso aumentam as possibilidades dos seus membros de enriquecimento intelectual e emocional. Favorecendo a individuação e autonomia de todos dentro do sistema e fora dele.
Além da entrada de novas informações e histórias, dentro do sistema familiar a circularidade delas é fundamental! Em família que tem crianças dificilmente o casal consegue discutir sua relação, ter suas brigas sem que elas presenciem, a atitude do casal como pais nesse momento não deverá ser diferente de outros momentos, é preciso explicar para criança que mesmo sendo adultos eles também têm suas dificuldades e que estão procurando resolvê-las, que isso fará bem para relação deles. Mas vão parar por aí? Não! Não se pode deixar a informação estagnar e enguiçar o sistema. “Casais funcionais discordam e negociam explicitamente; casais disfuncionais fazem demandas e acusações veladas, criticam e acusam sem explicitar seu desagrado ou desejo. Essas dificuldades e decepções conjugais influenciam o filho” (ROSSET, 2007, p. 116). O casal deve compartilhar os problemas concretos resolvidos e incluir as crianças nos momentos de harmonia, de tranqüilidade e assim ela vai crescendo e percebendo que na vida há altos e baixos, que podem ser vividos sem maiores danos. Precisamos entender que em relação a perdas da vida não há controle, pois o mundo é feito de perdas e ganhos, que pessoas vêm e pessoas vão, não se pode endurecer o coração para a chegada de novas pessoas, situações e informações. Dessa forma se mantêm a circularidade de informações preciosas na convivência familiar.
A questão do segredo é outro aspecto importante! É comum um filho ter mais afinidade com os dos pais e compartilhar coisas exclusivas com o seu escolhido, porém muitas coisas importantes pra relação vão para o ralo quando essa confiança é quebrada. Não há um discernimento dos pais sobre o que é público e sobre o que é privado e aí surgem situações embaraçosas que causam muito desconforto e que são difíceis de lidar. A definição do que é íntimo precisa estar clara para os pais, precisa ser ensinada aos filhos desde o nascimento deles e ser co-construída. Que filho nunca foi exposto pelos seus pais em uma roda de conversa? O sentimento de indignação, constrangimento e raiva são inevitáveis. “Os pais faziam isso porque não sabiam ser continentes e precisavam dividir com alguém, porque usavam os fatos dos filhos para se exibirem ou porque não tinham noção de respeito pelo que era compartilhado” (ROSSET, 2007, p. 130). Dessa forma, na fase adulta dos filhos não há mais vínculos de confiança, intimidade e compartilhamento com os pais, o que os leva a incompreensão desse fato e a cobrança pelo retorno dessa forma de comunicação. Há de se ter cuidado com os excessos na comunicação de cobranças, pois além de sufocar eles embaçam a visão a longa distância e atrapalham qualquer planejamento.
Um conteúdo bem presente nas conversas de uma família são as críticas, parece que por serem família todos têm direito de criticarem uns aos outros e sem dó e nem piedade. Apesar do teor negativo que possam ter as críticas podemos aprender a recebê-las e absorvê-las de forma positiva, construtiva e sem levar pro lado pessoal. Aprendendo é possível ensinar.
Ensinar que a crítica não é o fim do mundo. Ensinar a fazer críticas amorosas e construtivas; ensinar que, na maioria das vezes, a crítica não é pessoal, mas sim ao que a pessoa representa; ensinar a enxergar que a crítica aparece em função do momento que o crítico está vivendo; ensinar a aceitar e a refletir com as críticas recebidas (ROSSET, 2007, p. 34).
Todas essas características e outras como o tom de voz de cada um, quem é o porta-voz, quem fala mais e quem fala menos ou quem não fala; se comunicam acusações, julgamentos e críticas, se há amorosidade na comunicação, em que momentos relatos bons e relatos ruins aparecem, ou seja, qual conteúdo é comunicado nessa família; se quem fala é entendido por quem escuta e como respondem ao que ouvem. Aquilo que se fala é aquilo que se faz? Ou vale o ditado: “faça o que eu falo, mas não faça o que eu faço?”. Todas elas comparecerão no processo terapêutico relacional sistêmico e mostrarão que regras de relação existem nessa família, proporcionando ao terapeuta um campo vasto de co-atuação para mudanças e estímulo para a variedade na comunicação, pois regras são negociáveis.
3. PAPEL DO TERAPEUTA RELACIONAL SISTÊMICO
No início do processo a motivação principal é o desejo do terapeuta em querer ajudar a família. O ingrediente da compaixão é importante! O terapeuta deve ter uma amorosidade natural e não sedutora. O amor terapêutico o motivará para receber a família, acolher, acreditar na sua mudança, redefinir sua queixa, validar e agradecer pela confiança, por contarem coisas tão íntimas, por lhe ajudarem a ajudá-los. O terapeuta precisa observar coisas mínimas para que elas sejam ampliadas e trabalhadas. Como a família se comporta, olhares, sorrisos, gestos, reações e etc. Ao fazer o contrato coloca-se que o processo terapêutico não acontece somente ali, naquele espaço, ele vai além do consultório.
Durante o processo é importante o terapeuta manter seu equilíbrio, para isso é essencial limpar suas gavetas. Caso contrário um problema não administrado se mistura com o problema da família, pode levar ele a se aliar com algum membro da família que traz um problema semelhante e que puxa o terapeuta para a aliança. É bom que seja neutro, integrado e bem humorado; assim ele conduzirá um processo relacional sistêmico com possibilidades de viver esse momento de maneira mais leve; coerentes com aquilo que sente ao mesmo tempo em que tornará tudo isso útil e a serviço de quem atende; envolverá a família e todos passarão a se tornar completamente responsáveis pelas suas escolhas, atos e movimentos. Acreditamos na intuição do terapeuta, naquela que mantém os olhos e os ouvidos bem abertos e atentos ao que acontece na sessão, a fim de que ele presencie de forma real o que a família doa para sua percepção. Considerar-se um membro ativo e reativo do sistema terapêutico, ver a família como protagonista de sua mudança, sem deixar de fazer parte dela. O terapeuta deve estimular cada familiar para que definam um objetivo e uma possível solução para o problema e assim sentirem-se parte do processo; deve contribuir para reestruturar os vínculos, experimentando novas posições relacionais; buscar identificar-se com cada um dos interlocutores imaginando seus sentimentos, alcançando níveis ainda despercebidos a cada um. Isso é sério, é necessário, é empatia, é uma troca mútua de percepções, é uma escolha intencional do terapeuta e como tal, deve estar consciente de seu ato em relação ao cliente, pois vai colocar-se no lugar do “traidor”, do “abusador”, da “ciumenta”, da “descontrolada”; pois o papel do terapeuta não é julgar; é observar os tipos de comunicação, de afeto e tensão familiar; é pesquisar os mecanismos funcionais e os mecanismos estanques, que tornam o sistema disfuncional. Precisa-se aceitar a humanidade do outro e a própria humanidade como terapeuta. Faz parte do processo terapêutico o terapeuta assumir para a família quando não estiver conseguindo, quando estiver engatado ou confuso, ou seja, assumir sua limitação como terapeuta, que no momento da terapia é um ser humano em relação com eles naquele momento. Por vezes isso é até estratégico, pois se o terapeuta fala: - Só um momento, eu fiquei confuso agora. Eu não consigo ver o que pode salvar a família de vocês. Me digam o que vocês fariam? Além de admitir sua confusão o terapeuta pode possibilitar um desequilíbrio no sistema o que estimulará a família a encontrar uma solução possível para seu problema. Sempre atento para o limite da família, até onde ela suporta as mudanças de acordo com sua flexibilidade, idade, cultura familiar, entre outros.
Ao fim do processo o terapeuta vai saindo da liderança do processo e assumindo um lugar de testemunha ocular das mudanças e da autonomia da família. Essa postura do terapeuta é vital para a separação entre ele e a família e para a fixação dos novos comportamentos nela. Pois ao proporcionar a família uma sessão de relatos de suas atualidades, ele funciona como um reforçador dos novos padrões da família. Paralela a acomodação das mudanças inicia o momento de separação, de encerramento de uma fase da vida familiar, é quando o acompanhamento terapêutico segue pro encerramento e a família prepara-se para seguir soberana e autônoma o seu caminho. Conforme Rosset (2001) é pertinente neste momento que o terapeuta avalie com a família quais as aprendizagens realizadas naquela fase, quais os ganhos, e quais seriam as próximas aprendizagens e etapas do processo. Desta forma, a família vai embora com dados sobre o caminho a seguir e o terapeuta cumpre sua tarefa de acrescentar algo ao processo daqueles que o procuraram profissionalmente.
II. REFERENCIAL METODOLÓGICO
1. INSTRUMENTOS E TÉCNICAS:
Foram utilizados para o estudo das informações sobre o tema, livros relacionados à área da Terapia Relacional Sistêmica e da Psicologia, sob técnicas de leitura e escrita para que o estudo fosse organizado e concluído.
2. PROCEDIMENTOS:
1ºPasso: Fez-se a exploração das fontes bibliográficas;
2ºPasso: O material selecionado foi estudado;
3ºPasso: Após o estudo do material, houve o registro das informações pesquisadas, as quais foram documentadas;
4ºPasso: Ocorreu a análise das informações documentadas;
5ºPasso: O que gerou a conclusão do estudo do tema de acordo com os referenciais de uma pesquisa bibliográfica e qualitativa.
3. METODOLOGIA:
De acordo com Pimentel (2003) a pesquisa bibliográfica parte do princípio que as apreensões, críticas, interpretações, raciocínios e conclusões acerca de uma dada realidade são registradas e sistematizadas geralmente na forma de relatórios, artigos e textos; e têm como objetivo “conhecer, recolher, selecionar, analisar e interpretar as contribuições históricas já existentes sobre determinado assunto” (VICTORIANO & GARCIA, 1996, p.21). Neste caso a pesquisa bibliográfica constituiu a própria pesquisa, mas ela pode ser também parte de uma investigação. Entretanto Pimentel (2003 apud Gil 1989;73) considera que uma pesquisa pode ser totalmente feita a partir de fontes bibliográficas, ou seja, “da contribuição dos diversos autores sobre determinado assunto”, afirmando que grande parte dos estudos exploratórios, podem ser definidos como pesquisa bibliográfica.
A metodologia de um trabalho científico não trata apenas sobre dados quantitativos ou sobre os procedimentos que serão realizados passo-a-passo a fim de que se alcance os melhores resultados na pesquisa. A metodologia compreende um referencial que norteia o pesquisador em seu olhar, em sua conduta e em seus objetivos concernentes ao tema pesquisado. Inicialmente tem-se um problema formulado que não necessariamente representa uma pergunta a ser respondida ao final da pesquisa qualitativa, pois é na pesquisa quantitativa que os resultados adquirem o valor de produtos finais (GONZÁLEZ REY, 2002).
A pesquisa qualitativa é um processo permanente de produção de conhecimento, em que os resultados são momentos parciais que se integram constantemente com novas perguntas e abrem novos caminhos à produção de conhecimento. Cada resultado está imerso em um campo infinito de relações e processos que o afetam, nos quais o problema inicial se multiplica em infinitos eixos de continuidade da pesquisa. [...] o problema se faz cada vez mais complexo e conduz a zonas de sentido do estudado imprevisíveis no começo da pesquisa (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 73).
De acordo com Martins e Bicudo (2003) na pesquisa qualitativa não há generalização e o olhar do pesquisador está voltado para o que é específico, peculiar e individual, almejando sempre a compreensão e não a explicação dos fenômenos estudados segundo seus preconceitos. Ou seja, o que marca o objeto de estudo é sua singularidade e sua riqueza particular, o que corrobora com a essência do conceito sobre pesquisa qualitativa significado por González Rey (2002).
A pesquisa qualitativa se debruça sobre o conhecimento de um objeto complexo: a subjetividade, cujos elementos estão implicados simultaneamente em diferentes processos constitutivos do todo, os quais mudam em face do contexto em que se expressa o sujeito concreto. A história e o contexto que caracterizam o desenvolvimento do sujeito marcam sua singularidade, que é expressão da riqueza e plasticidade do fenômeno subjetivo (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 51).
Segundo Martins e Bicudo (2003) a natureza da metodologia de base da pesquisa qualitativa é tanto teórica, como prática. Ambas fornecem recursos para ver os objetos da percepção na sua origem social, histórica e de funcionamento, na sua interdependência e determinação do seu desenvolvimento. Sendo que na visão qualitativa de pesquisa o instrumento “é uma ferramenta interativa e não uma via objetiva geradora de resultados capazes de refletir diretamente a natureza do estudado independentemente do pesquisador (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 80)”. O pesquisador é co-participante dos resultados obtidos.
Dessa forma, foram descritos acima dados relevantes dentro da metodologia desta pesquisa o que facilitará a compreensão do referencial teórico pesquisado.
III. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considero que os resultados adquiridos neste estudo alcançaram parcialmente os objetivos propostos, pois trata-se de uma pequena amostra bibliográfica; porém demonstrando, a relevância de estudos na área da comunicação familiar pautada nos pressupostos, princípios e conceitos relacionais sistêmicos.
De forma que, estudar o pensamento relacional sistêmico e os aspectos da comunicação familiar significa muito mais do que se pôde ler na literatura, é de fato se implicar com aquilo que se estuda e não somente aprender pra aplicar nas intervenções terapêuticas é fundamental para a preparação de um bom profissional, bem como, a busca contínua pelo que há de atual nesta área. Fico com a certeza que há diferenças entre o Pensamento Sistêmico Relacional e o Pensamento Relacional Sistêmico, foi necessário perceber essa pequena confusão teórica para poder entender cada uma, ainda que de maneira geral; e poder fazer a escolha de qual pensamento seguir.
O Pensamento Relacional Sistêmico transmite leveza e maiores possibilidades, com ele é possível ter simplicidade, sem simplificar; é possível perceber que o que é útil para mudar o padrão de funcionamento do outro, é útil para mudar o meu também, há nisso uma certa coerência, entre aquilo que se crê e aquilo que se vive. A experiência de estudo e as aspirações de aplicação desse conhecimento precisam ser vividos e significados tanto como terapeuta, como no lugar de quem será atendido, descobrindo através do estudo limitações e aprimorando a capacidade de aprender para que eu possa estar inteira diante daquele (s) que me busca (m) profissionalmente. O convite para nos implicarmos é muito mais atraente nas possibilidades de aprendizagem que somente aplicar aquilo que se supõe saber.
O meu interesse pela “Terapia familiar” foi que me motivou a escolher esse tema para estudo e mesmo sendo família, fazendo parte de uma, o interessante foi descobrir o quanto trabalhar com famílias em processo terapêutico relacional sistêmico demanda de quem a atende, é preciso mergulhar na própria história na tentativa de saber em que lugar estou, para a partir desse lugar ser útil no processo de mudança da família, ver o mundo do ponto de vista da família que se apresenta diante de mim, descobrir qual a melhor forma de me comunicar com ela e motivar mudança.
Este trabalho visou contribuir para a formação de outros colegas na área da Psicologia familiar e para a atualização de profissionais já atuantes. Sendo que há ainda muito o que se descobrir nessa área em nosso Estado, para tanto, propõe-se que sejam realizadas pesquisas de campo nessa área, seja na capital ou com a comunidade ribeirinha do mesmo; além de propor que as mesmas sejam publicadas e divulgadas para que as práticas dos profissionais sejam bem alicerçadas.
Portanto, o presente estudo vem apresentar como relevância teórica a investigação, que possibilita a construção de conhecimento sobre a terapia familiar relacional sistêmica a qual permeia a realização de intervenções na comunicação da família paraense, posto que, por ser um dos aspectos principais da relação familiar, a quantidade de estudos que subsidiem tais intervenções no Estado do Pará ainda é incipiente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GONZÁLEZ REY, F. L. Pesquisa qualitativa em Psicologia: caminhos e desafios. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
MARTINS, J. & BICUDO, M.A.V. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. – 3. ed. – São Paulo: Centauro, 2003.
MINUCHIN, S. Famílias: funcionamento & tratamento. Trad. de Jurema Alcides Cunha. Porto Alegre, Artes Médicas, 1982.
NOBRE, D. A Grande Família. Disponível em: <http://vagalume.uol.com.br/dudu-nobre/a-grande-familia.html> Acesso em 03 Fev.2010.
PIMENTEL, R. Metodologia do Trabalho Científico. Belém-Pará, 2009.
ROSSET, S. M. Izabel Augusta: a família como caminho. Curitiba: Livraria do Chain Editora, 2001.
------------------- Pais e filhos: uma relação delicada. Curitiba: Sol, 2007. 3.ed. Curitiba-PR.
------------------- Terapia Relacional Sistêmica. Famílias, Casais, Indivíduos, Grupos. Curitiba: Sol, 2008.
VICTORIANO, Benedicto A. D. & Garcia, Carla C.Produzindo Monografia. São Paulo: Publisher Brasil, 1996.
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ROSSET, S. M. 123 Técnicas de Psicoterapia Relacional Sistêmica. 3ª edição – Curitiba: Sol, 2008.