Assédio e distanciamento

 

Solange Maria Rosset

 

Quando um casal ultrapassa  a fase da paixão, começa a pôr em ação seus padrões compulsivos de funcionamento. Tais padrões têm por objetivo organizar defesas para manter a união e preservar os cônjuges de se confrontar com suas dificuldades e impotências. Um deles, que aparece na maioria dos casais, pode ser chamado de “assédio e distanciamento”. Nessa forma de relacionamento, um dos parceiros, o “assediador”, busca crescente envolvimento, intimidade, contato, diálogo, sexo ou companhia, enquanto o outro, o “distanciador”, procura cada vez mais a separação e a privacidade.

Quanto mais o parceiro assediador requisita o outro, mais este se sente preso e maior é sua necessidade de escapar. Quanto mais o parceiro distanciador precisa escapar, mais abandonado sente-se o assediador e maior é sua necessidade de perseguir. O assediador acusa o distanciador de ser retraído e reservado, de não ser amoroso, não querer se comprometer ou temer a intimidade. O distanciador acusa o assediador de querer se agarrar a ele, de ser implicante e exigente e ter necessidade de controlar. O assediador sente-se abandonado e reage, perseguindo o outro. Em contrapartida, o distanciador sente-se acossado e se retrai.

Os exemplos desse jogo relacional são inúmeros. O conteúdo pode variar, mas o mecanismo se mantém. Alguns casais apresentam o esquema no que diz respeito ao relacionamento com as famílias de origem: um quer a aproximação, outro prefere o distanciamento. Há parceiros que mostram o padrão na vida sexual: um insiste em que ela deve ser incrementada e o outro se recolhe. A mesma coisa pode acontecer na tal “discussão da relação”: um acha que devem conversar toda vez que se desentendem, enquanto o outro irrita-se e bate na tecla de que tais discussões são inúteis.

Um casal, com o qual discuti sobre essa forma de funcionar, conseguiu deixar claro o que levava os dois a repetir o comportamento. O homem explicou que a cada dez vezes que  procurava a parceira para o sexo, ela consentia em uma; por isso, toda hora ele tentava. A mulher, por sua vez, argumentou que o marido era tão insistente e repetitivo que, caso não se negasse, estaria envolvida com os desejos dele o tempo todo.

O primeiro passo para o casal sair desse “jogo do sem fim” é os cônjuges tomarem consciência de que estão apresentando um problema comum, em maior ou menor proporção, a todos os casais. Isso os deixa mais tranqüilos, facilitando enxergarem quando e como desencadeiam o mecanismo.

Também é decisivo saberem que ambos têm pontos de vista importantes e que o parceiro está tendo dificuldade em aceitá-los. Portanto, valeria a pena descobrirem formas diferentes de comunicar suas idéias e seus sentimentos. Precisam saber, ainda, que uma pequena diferença de desejos e opiniões no início do relacionamento pode aumentar com a insistência do outro. Por exemplo: originalmente, o distanciador até tem alguma vontade  de conversar, passar o tempo junto, dar afeto, fazer amor, envolver-se com as famílias. Porém, quanto mais é criticado por não fazer tais coisas, menos quer fazê-las.

Ao enxergarem a situação sob esse novo ângulo, os cônjuges têm condições de perceber como o comportamento de um desencadeia e mantém o do outro e podem deixar de se acusar repetidamente, compreendendo que o problema resulta de uma construção de ambos. No início, essa percepção não resolve a questão, mas possibilita que se converse sobre ela. A troca de idéias, desprovida de acusações, os ajuda a entender os desejos e sentimentos de cada um antes que o padrão se repita. Com persistência, o casal pode desmontar o mecanismo. E, mesmo que não alcance esse objetivo, no mínimo haverá mais aceitação e menos raiva quando a situação ocorrer.

* Artigo publicado na Coluna AMOR da revista CARAS 655 de 24/2/2006