Espaço de Casal e espaço de Pais**

Solange Maria Rosset

 

Proteja a sua união: separe o papel de pai ou mãe, do conjugal

Um casal precisa de espaço próprio, em que compartilha interesses, conversas, vida social, alegrias e emoções concernentes só aos dois. Quando vêm os filhos, é possível que o homem, a mulher ou ambos permitam excessiva interferência de sua função de pais no relacionamento a dois. Para a harmonia de todos, isso não deve ocorrer.

A dificuldade em discriminar e separar as funções de pai e mãe daquelas do casal é uma das causas de problemas entre pais e filhos. Quando duas pessoas se unem, desenvolvem funções específicas de casal. No momento em que chega uma criança, precisam ter habilidade para manter os papéis de casal, inserir neles desempenhos parentais, sem confundi-los.

As funções básicas, específicas do espaço de casal e razão para os dois cônjuges estarem juntos, são: ser refúgio para os estresses externos que sofrem no dia a dia;  matriz para contatos com outros agrupamentos sociais, criando a forma específica do casal se relacionar com as famílias e o meio social; possibilitar o desenvolvimento da intimidade e da sexualidade; preservar as fronteiras, de forma que nem os filhos, nem os parentes, nem os amigos interfiram ou invadam a vida a dois.

Ao chegar o primeiro filho, os pais devem cumprir as seguintes funções parentais: nutrição, desde a alimentação até as outras necessidades, fornecendo  informações e aprendizagens; serem continente, o que envolve colo e a relação pele a pele, tão necessária nos primeiros dias, até o estar disponível nos momentos de dificuldade e de dar o ombro para o choro sentido;  controle e orientação – saber o que o filho faz e onde está, ensiná-lo a e proteger-se nos momentos de sair do ninho; dar autonomia adequada à idade e competência; e usar a autoridade que, de acordo com a necessidade, é sempre prova de amor e cuidado, além de desenvolver segurança e confiança na prole.
Muitos casais, depois que têm filhos, passam a desempenhar só as funções parentais, esquecendo-se que ainda são um casal. Deixam de cuidar um do outro, de fazer programas somente seus, permitindo assim que o filho quebre os espaços ou impeça os momentos de intimidade. Numerosas relações começam a se deteriorar nesse momento, mas poderiam, ao contrário, ser alimentadas e desenvolvidas com os dois se empenhando em preservar o namoro, a conversa, os programas próprios, os carinhos e cuidados.

Se homem e mulher deixam de exercer as funções de casal, eventualmente os dois, ou um deles deposita sua carência no filho: exige ou espera que ele lhe cuide, faça companhia, seja confidente, amigo e o parceiro das horas de lazer no lugar do cônjuge. Dessa forma, o casal se afasta cada vez mais.

Na eventualidade do divórcio cessam as funções conjugais. Mas os dois necessariamente devem manter os papéis parentais. Já vi, no entanto, pais e mães que, separados, só quando tentam reconciliar-se com o cônjuge dão atenção aos filhos. Deles se esquecem no momento em que se conformam com a separação. Outros, a viver juntos ou não, depositam nos filhos suas dificuldades e os agridem ou até mesmo abandonam - vingança ou punição do parceiro ou ex-parceiro.

Não raro, ao reagirem com comportamentos problemáticos, filhos são encaminhados para terapia. Mas deve-se verificar se a indicação não é para os pais, separados ou não, e que, por razões específicas, deixam de desempenhar satisfatoriamente indispensáveis funções parentais. Ou avaliar se é caso de terapia de casal, quando os pais vivem juntos, e o problema do filho conseqüência da guerra entre os cônjuges ou de outra questão conjugal que desemboca em sofrimento da criança.

Casais que se esforçam por aprendem a diferenciar, conseguem ter um convívio mais harmônico.Sabem que devem lidar com as dificuldades específicas de cada relação, para colher os frutos do aconchego e da intimidade do seu espaço conjugal. É assim que possibilitam aos filhos duas dádivas: o crescimento sem o peso da responsabilidade pelo convívio harmonioso dos seus genitores; e a noção de que um dia poderão ter o seu próprio espaço de casal.

**Texto publicado na sessão AMOR  da revista CARAS  número 622 – 7/10/2005