Casal e Mudança

Solange Maria Rosset

 

Todo casal pode resolver suas dificuldades. Na prática, nem sempre é possível, nem sempre os parceiros conseguem. As dificuldades podem servir de estímulo para aprendizagem e crescimento, seja em um processo terapêutico, seja na própria relação. É necessário, porém, que os dois envolvidos estejam disponíveis e tenham condições para isso.

A superação dos problemas conjugais só será possível se os dois tiverem desejo e vontade de mudar aspectos pessoais. Desejo significa energia para planejar, necessidade de buscar. Vontade significa a energia necessária para a ação, o movimento indispensável para a busca. Só havendo a decisão individual é que a tarefa de reorganizar o casal, definir novas regras de funcionamento, aprender outras formas de comunicação e relacionamento é possível.

Muitos cônjuges se propõem a avaliar a relação com o intuito de que o terapeuta, os familiares, os amigos enxerguem e mostrem que o outro é o culpado. Esperam que um “juiz” declare que ele está certo e tem direito de agir como age. Nesses casos, discussões, terapias, avaliações podem estender-se por um longo e doloroso período, com riscos de novas mágoas, novos ataques, novos fechamentos.

A reformulação de um casal pode ocorrer de forma mais prática e até mais rápida se cada cônjuge quiser enxergar como contribui para as dificuldades; se houver afeto entre os dois; se nenhum deles estiver envolvido ou interessado em uma terceira pessoa; se houver interesse e atração sexual entre eles.

Observei que existem nas relações quatro tipos de envolvimento básico na busca de mudanças. 

Casais que se esforçam para encobrir as dificuldades. Independente dos motivos - como incapacidade de tomar consciência de seu funcionamento, medo do que pode ocorrer, receio de ser condenado, culpa pelos acontecimentos, desqualificação da importância ou da seriedade dos sintomas e atos -, o processo não se desenvolve. As conversas giram ao redor do que é de fato importante, sem a abertura de novas possibilidades, de novos ângulos. 

Casais cujos cônjuges estão em guerra. Também não importam os conteúdos e as justificativas para a guerra, nem se é suave ou mortal. As conversas são um interminável e perigoso treinamento para conseguir atingir e machucar o outro o quanto antes, de forma profunda. Cada um dos parceiros vai ficando mais hábil e ágil em instrumentar-se para o ataque, a guerrilha, a destruição.  

“Casais”que precisam tornar-se de fato casais. Independente do tempo que estão juntos, não são um casal de verdade. Podem ter consciência disso ou as dificuldades e os sintomas é que  apontam para tal questão. Pode ser que ela se comporte como “mãe” dele e ele como o “filho” dela, que sejam como irmãos ou amigos, não consigam assumir o casamento e prefiram ficar “para sempre” cada um em sua casa e só namorando, que sejam recém-casados e não consigam assumir  mudanças, responsabilidades e funções de casados. Esses casais vão enxergando os aspectos de cada um que precisam ser amadurecidos ou reorganizados, bem como todas as aprendizagens e recontratos que necessitam fazer para ocuparem um espaço de casal. A energia do trabalho é de descoberta e crescimento.

Casais que estão envolvidos em autotransformação ou desejam melhorar a qualidade da união e da vida. Nesse caso, os parceiros já passaram ou passam por dificuldades. Sabem que a solução não é mágica nem indolor, mas acreditam que estão no mundo para ser felizes, viver com qualidade e fazer diferença nos espaços que ocupam na família ou na sociedade. E querem isso. Independente do quanto necessitam mudar ou aprender, a emoção que acompanha esse trabalho é de esperança e disposição.

* Artigo publicado na Coluna AMOR da revista CARAS 660 de 30/6/2006.