COMPREENSÃO RELACIONAL SISTÊMICA DOS SINTOMAS

Solange Maria Rosset

Dezembro de 2002.

 

Sistemicamente o sintoma é visto de uma variedade de ângulos e portanto pode ter várias causas, vários desencadeantes e vários encaminhamentos. Tal conceito significa que nenhum evento ou parte de um comportamento causa outro, e sim, que cada um está ligado de uma maneira circular a muitos outros eventos e partes de comportamentos. Estes eventos e comportamentos formam ao longo do tempo padrões constantes e repetitivos que funcionam para equilibrar a família e permitem que ela evolua de um estágio de desenvolvimento para outro. Todo comportamento, incluindo o sintoma, estabelece e mantém estes padrões. Este padrão de funcionamento familiar é considerado mais importante do que o comportamento ou o sintoma.

Na visão relacional sistêmica, quando alguém na família apresenta algum sintoma, acredita-se que é porque a família está precisando, naquele momento aprender algum novo comportamento, fazer alguma remodelação no seu funcionamento, ou mudar comportamentos que mesmo que tenham sido úteis em outra etapa, agora são disfuncionais.

Na compreensão teórica sobre o que desencadeia o sintoma podemos ver a família na sua compreensão sistêmica, avaliando as suas várias funções e aspectos. A ocorrência de um sintoma pode ser precipitada por uma multiplicidade de eventos. Ela pode ser acionada por uma mudança em um dos sistemas mais amplos nos quais a família está inserida, tais como a família extensa, a comunidade, o sistema social, político, cultural ou educacional. O evento precipitador também pode vir de dentro da família como uma reação a alguma ocorrência do ciclo de vida -tal como a morte de um avô, o nascimento de uma criança, uma doença debilitadora ou a saída dos filhos do lar- ou alguma crise circunstancial.

Qualquer um destes eventos pode fragmentar os padrões familiares que facilitariam lidar com uma situação, e um sintoma pode se desenvolver como um meio de estabelecer um padrão diferente.

Embora as origens de um sintoma possam estar enraizadas num evento externo, sua persistência indica que ele esta sendo usado pela família em alguma transação que está ocorrendo.

A funcionalidade de um sintoma varia de acordo com as circunstâncias, o tempo e o lugar. O sintoma pode servir a funções diferentes, em épocas diferentes, para conjuntos diferentes de relações. Estes padrões podem ser funcionais e assintomáticos durante um longo período de tempo. Eles param de ser assim se um dos elementos da família aumenta ou muda a sua posição.

Quando o sintoma causa um estresse intolerável, seja ele desencadeado por fatores de dentro ou de fora da família, esta é compelida a procurar ajuda. A família geralmente vem identificando em um membro a localização do problema. Acreditam que a causa seja a patologia internalizada deste indivíduo. Esperam que o terapeuta se concentre neste indivíduo, trabalhando para mudá-lo. Para o terapeuta de família, porém, o sintomático é somente o atual portador do sintoma; a causa do problema são as transações disfuncionais da família; e o processo de cura envolverá a mudança destas transações disfuncionais.

O conceito de auto-regulação é usado para conectar o sintoma com o funcionamento do sistema, e assim mudar uma das premissas cruciais sob as quais a família está operando - a premissa de que o sintoma é um elemento estranho fora do sistema e que pode ser mudado separadamente. Quando a família vem para a terapia, seus membros desconectaram o sintoma e estão pedindo ao terapeuta para mudar o sintoma sem mudar o sistema. O terapeuta conecta o sintoma e o sistema para mostrar que um não pode ser mudado sem se mudar o outro, e coloca a família frente a frente com seu próprio dilema. Este dilema da mudança e todas as questões pertinentes a ele tornam-se o ponto focal da terapia.

A redefinição do problema para o qual a terapia foi solicitada é a base em que assenta todo o processo terapêutico. É a aspecto mais criativo da terapia e o que permite a família tornar-se o protagonista da sua própria mudança na situação terapêutica .

Na medida que aceitamos que o problema reside na interação afastamos uma explicação linear dos fenômenos, de causa e efeito, e nos aproximamos da noção de circularidade e, assim, da responsabilidade compartilhada nos sintomas familiares.

A tarefa do terapeuta é identificar o padrão particular que está relacionado ao sintoma e encontrar uma maneira de mudar este padrão particular. Esse olhar ampliado ajudará o sistema familiar a se mover para uma forma mais complexa de organização que permita enfrentar melhor as circunstâncias atuais da família.

No desenvolvimento do processo terapêutico, algumas vezes surgem novos sintomas. É importante nesse momento avaliar se são sintomas de processo ou sintomas de defesa.

Os sintomas de processo são aqueles que surgem nas fases de mudança de funcionamento, onde o sistema precisa passar por etapas muito novas e os novos comportamentos trazem estranheza, trazem comportamentos descoordenados, trazem excessos, trazem sentimentos e atitudes inexplicáveis. A função desses sintomas é preparar, adaptar ou acostumar com as mudanças. O sistema precisa de um tempo para integrar o que é ainda muito novo.

Os sintomas de defesa são aqueles que impedem o sistema de experimentar situações, comportamentos ou sentimentos novos. São sintomas que acabam servindo de álibis para não alterar o padrão básico e disfuncional do sistema familiar.

Os sintomas de processo devem ser acompanhados e respeitados. Os sintomas de defesa exigem novas avaliações e estabelecimento de novas táticas na busca de novas estratégias terapêuticas.

Uma outra questão importante é a forma de lidar com as recaídas do sintoma. Existe na Terapia Relacional Sistêmica uma "Teoria das recaídas" para auxiliar os clientes a lidarem com a situação paradoxal das melhoras e das pioras dentro do processo terapêutico. É uma forma simples e concreta para inserir a noção de recaídas de processo e a proposta de desenvolvimento da capacidade da família de gerir seus próprios controles das recaídas. As recaídas são: Inevitáveis, Desejáveis, Administráveis, "Preveníveis" (passíveis de serem descobertas com antecedência e evitadas). São inevitáveis porque a natureza, a vida, é pulsátil, abre-fecha, começa-termina, sobe-desce, contrai-expande. É um movimento inevitável. Sempre vai haver uma recaída, uma volta ao estágio anterior. Nas aprendizagens, nos sintomas, nos controles, em tudo. São desejáveis porque através das recaídas se pode avaliar o processo e os progressos. Fica-se sabendo o que já está consolidado e o que merece mais cuidado, mais treino, mais esforço. São administráveis pois é possível lidar de forma funcional com elas. As formas de se administrar as recaídas são: - Saber desta teorização; - Ao se perceber em recaída, olhar para a frente (ver o caminho que se tem para fazer, o processo) e para cima (como algo do processo, um item que faz parte, que é da evolução); - Evitar olhar para trás (como se tivesse voltado ao começo, uma regressão sem saída) e para baixo (ver como incapacidade, incompetência, má vontade, sem saída). São "preveníveis", pois após tomar consciência dos comportamentos e padrões, e treinar administrar as recaídas, vai se percebendo os sinais da recaída. Conforme se identificam os sinais, mudam-se coisas e situações de forma a evitar ou retardar a recaída.

Esta forma de ver o sintoma sai dos esteriótipos de que o sintoma é algo que deve ser removido, e a conduta sintomática passa a ser vista como uma pista do que precisa ser reorganizado, revisto ou aprendido.