Desafios de ser um terapeuta relacional sistêmico

Psic. Luciana Gomes de Abreu

 

Escolher

O primeiro desafio encontra-se na seguinte questão: para ser precisamos, primeiramente, escolher.

Escolher exige de todos nós consciência, responsabilidade e, principalmente, acreditar que estamos no comando de nossas vidas.  É um desafio em nossa vida pessoal e na maneira de enxergar nosso cliente.

Escolher faz parte da vida, a questão é que de algumas escolhas temos consciência e de outras não. 

Escolhi ser Terapeuta Relacional Sistêmica, inicialmente, sem muita clareza.

Não tinha a intenção de trabalhar com terapia relacional sistêmica. Já tinha uma formação e trabalhava com a mesma.

Procurei a Solange, pois havia recém chegado a Curitiba e precisava de uma indicação de terapeuta. Queria alguém que não me conhecesse, que nem soubesse que era psicóloga. Queria ser apenas cliente.

Se estava buscando fazer diferente,  foi isso que encontrei: um primeiro telefonema diferente, um encaminhamento diferente. Telefonema aquele que me causou  muito desconforto , pois não fui atendida de imediato, não soube dos valores e não poderia marcar a sessão sem ter a clareza de quem iria. Lembro de repensar, e, mesmo com todo aquele desconforto,  escolher ir, continuar e experimentar.

Neste momento minha escolha era apenas pessoal, acreditava que isso era possível.

Com o tempo fui tomando consciência de muitas outras questões que tinha em minha prática profissional, e que me traziam muitas angústias.

Não tinha clareza se eram dificuldades minhas ou dificuldades que todo profissional encontrava. Se minha escolha inicial  de ser psicóloga era meu desejo verdadeiro ou se deveria abrir uma loja! Ou mesmo se a maneira como trabalhava fazia diferença na vida do meu cliente e na minha própria vida...

Eu nunca acreditei que conseguisse salvar alguém ( esperava sim que alguém me salvasse!). Não acreditava nem mesmo que saberia qual era a melhor escolha para meu cliente. Quebrava minha cabeça quase que diariamente tentando descobrir o que era certo e o que era errado. E, nunca achei que pudesse tornar a vida de alguém melhor talvez contando algumas coisas engraçadas, fazendo a pessoa rir ou servindo de lata de  deposito para as lamentações alheias. Acompanhando uma mudança aqui e ali, enxergando e na grande maioria das vezes ficando com a visão apenas para mim.

Eu realmente não tinha competência para consertar ninguém e me cobrava por isso.

Hoje sei que faltava ter a clareza do “para que ser psicóloga” e das minhas próprias escolhas. Hoje sei que, além de querer ficar rica ( para agradar meu pai...) tenho habilidade para trabalhar com mudanças, e isso não é bom nem ruim, é meu!

Foi através do meu trabalho pessoal, da consciência da minhas escolhas e  da responsabilidade que assumi em minha vida, que passei a conduzir meu trabalho como terapeuta.

Acreditar que meu cliente tem a vida que escolheu, é o primeiro passo para auxiliá-lo a fazer suas mudanças.

 Ele não precisa acreditar nisso inicialmente e talvez nunca acredite. Talvez  não tenha consciência da sua responsabilidade ( como  terapeuta posso auxiliá-lo a perceber isso). Muitas vezes suas dificuldades e seu padrão de funcionamento não permitem  que identifique outras saídas ( e como terapeuta devo respeitar isso), mas apesar das dificuldades de meu cliente e todo respeito que devo a ele, não posso ser conivente com seus álibis, desculpas  e subterfúgios.

Ver o problema, a dificuldade, não como uma armadilha do destino, ou um acaso, mas como algo que se decide fazer, um jeito que se decide ser, uma opção de enxergar as situações, as pessoas, enfim, o problema como uma decisão que em algum nível, parcialmente consciente, se tomou.

Minha escolha é ser a terapeuta que eu escolhi ser como pessoa.

Por isso acredito que ser terapeuta relacional sistêmico tem, como grande desafio colocar em prática na sua vida pessoal e profissional a consciência das escolhas, buscando sempre a coerência entre a teoria que escolhi trabalhar, a técnica  e meu próprio desenvolvimento pessoal.

 

A autoconsciência aumenta quando assumo o compromisso de olhar para dentro de mim mesmo. Aceitar o princípio da escolha significa que o poder de me conhecer esta dentro de mim. Conhecer-me-ei melhor quando passar por situações que demandem toda minha capacidade. Também conhecer-me-ei melhor quando superar o medo de olhar para mim como verdadeiramente sou. ...sacrificando as avaliações em nome das descobertas.

Will Schutz

 

PERTENCER

Um dos desafios que ainda encontro até hoje na construção do terapeuta relacional, é o de pertencer a um grupo.

Para ser um terapeuta relacional sistêmico é preciso construir-se como tal. É preciso buscar o que é semelhante, o que está em comum. A necessidade que se tem de ser reconhecido pelos pares, de reconhecer e de mergulhar nas semelhanças.

Estas questões apareceram com maior intensidade para mim no último congresso de terapia familiar em Gramado, quando senti a necessidade de ter um espaço na terapia relacional sistêmica. De ouvir aquilo que tanto me fascina. De estar com os profissionais que acreditam e trabalham como eu acedito e trabalho.  Que acreditam, assim como eu, que o cliente é o autor de sua história e que apenas ele tem o poder de mudá-la.  Que acreditam que ser um terapeuta relacional sistêmico é ser um terapeuta que trabalha com o padrão de funcionamento e não com o conteúdo. Que trabalha com mudanças, que compartilha com o cliente a busca de soluções. Que não trabalha com verdades absolutas, não divide o mundo entre o bom e o ruim, as vítimas e os bandidos, mas que acredita no poder de cada um em reescrever suas histórias.

Desejava um espaço onde pudesse complementar minha fala, onde pudesse experimentar, trocar, transformar, acrescenta e onde pudesse me preparar para aquilo que está por vir, pessoal e profissionalmente.

Foi diante desta necessidade que eu e a equipe de coordenação ( que também estava no congresso e com as mesmas necessidades), com o apoio da Solange, resolvemos reunir um grupo de profissionais formados ou que tivessem passado pela formação em terapia relacional sistêmica com a Solange.

Um dos desafios de pertencer foi superado hoje. O de nos posicionarmos enquanto terapeutas relacionais sistêmicos. Criarmos uma rede, um espaço, onde podemos nos identificar e nos diferenciar, buscando o jeito de cada um de ser um terapeuta relacional sistêmico dentro das premissas teóricas.

Um espaço onde possamos fazer tudo aquilo que incentivamos nos nossos clientes. Buscar  pertencer para poder diferenciar-se.

 

Se a  certeza de fazer parte se instala, adquiro uma certeza de sobrevivência de existência e assim me preparo para separar-me para viver e estar sozinha.

S. Rosset

 

O desafio de pertencer nos leva a buscar, a integrar ao que foi feito  ao que foi criado. As teorias e criações da Solange. As diferentes abordagens utilizadas ( o psicodrama, a psicanálise, o ciclo vital, etc...) e que  temos hoje (conhecer novos profissionais, novos jeitos, novas experiências advindas de outros terapeutas) para começarmos a planejar o que queremos para o futuro e o que queremos adiante, em nosso desenvolvimento pessoal e profissional.

Sendo assim encerro, deixando um desafio para todos os que estão presentes: reflitam e sintam sobre a escolha de estar hoje aqui. Como é reconhecer-se fazendo parte de um grupo de terapeutas relacionais sistêmicos? O que te faz pertencer e o que te faz diferenciar-se? Não há dúvida que esta é uma oportunidade de refletir e de ter mais clareza dos motivos que nos trouxeram até aqui, que nos transformaram em psicólogo e, fundamentalmente em terapeuta relacional sistêmico.