Espaço do casal

Solange Maria Rosset

setembro de 2024

 

Quando duas pessoas decidem se casar, elas estão estabelecendo que formarão um novo sistema, com regras, funcionamento e definições específicas. Não importa se é um casamento legal ou só vão viver juntos; não importa se viverão em casas separadas ou dividirão o mesmo teto; não importa se pretendem que seja para sempre ou só pretendem ser “companheiros de trecho”; não importa se os dois estão querendo e envolvidos na mesma intensidade ou um quer e precisa mais que o outro. O nível de consciência que eles têm desse novo sistema também pode variar: do mínimo até um perfeito discernimento do que estão realizando. Independente de todos esses aspectos, é um espaço que está sendo criado.

É um espaço do casal no sentido em que é só deles. Mesmo que haja pessoas próximas, existe uma definição de que há uma ligação, uma energia que envolve só o casal. Quando ocorrem invasões e interferências, elas influenciam a relação, o mundo dos dois.

É um espaço de casal no sentido em que possibilita vivências, aprendizagens, experiências que só são possíveis numa relação de intimidade, de sexualidade, de par e parceria.

Outro aspecto importante é o ligado ao espaço de crescimento que a relação permite. Dois parceiros nunca correspondem, nem satisfazem completamente um ao outro. Cada um deles construirá a realidade de modo diferente, compreendendo os fatos, vendo as situações, avaliando com olhos diferentes. A compatibilidade entre essas construções individuais será determinante para a qualidade e a possibilidade da relação. Visões de mundo muito diferentes podem inviabilizar a construção de projetos comuns; por outro lado, podem ser um convite à integração, à diversificação e às aprendizagens.

As tensões resultantes de opiniões diferentes podem dar sabor ao relacionamento e fazer com que a história de uma relação seja aventurosa, incomparável, única. Porém, muitas das potencialidades evolutivas individuais não podem ser realizadas numa relação a dois. Cada um vai evoluir em um domínio tolerado pelo outro. O casal tem, então, o desafio de estar sempre negociando entre si e lutando junto.  Encontrar saídas exige um ato de criatividade. Uma relação amorosa e criativa sobrevive aos momentos em que os indivíduos estão tentando fazer movimentos sozinhos, além de dar garantias para que cada um vá adiante nas suas aprendizagens, sem que rompa a relação. Afastar-se e depois se reaproximar implica riscos, mas também torna viva a relação.

A relação é vista como um espaço de desenvolvimento das potencialidades pessoais. As dificuldades são vistas como uma possibilidade de trazer à luz os pontos pessoais que precisam ser burilados. Compreender e viver essas possibilidades implica saber que é preciso promover a compreensão, a compaixão e o amor entre o casal, neutralizando a força destrutiva ligada ao medo: sejam os medos de se entregar, de ser invadido, de ser mal compreendido ou mal interpretado, sejam medos conscientes ou inconscientes. Portanto, é possível canalizar, construtivamente, a energia que foi usada nos medos, nas defesas, nas prevenções, de modo a promover estima e intimidade.