Lidando com as perdas*

Solange Maria Rosset

Junho de 2020

 

As perdas são inevitáveis, mas trazem muitas diferenças entre elas. Podem ser mais sérias ou menos, mais desestruturantes ou menos, fazerem parte dos ciclos vitais ou chegarem de surpresa.

Cada sistema tem seu padrão básico de lidar com as perdas, e dependerá dos valores da família ou individuais, das experiências que tiveram durante a vida, dos padrões de resiliência que as famílias e indivíduos têm.

Cada linha terapêutica tem sua própria forma de lidar com perdas, crises e lutos, dependendo de suas concepções, propostas teóricas e visão terapêutica.

No acompanhamento do trabalho de perdas, que eu chamo de trabalho de crise, sigo 4 passos. Essas etapas foram definidas dentro das propostas básicas da Terapia Relacional Sistêmica, e levando em conta a compreensão energética e emocional do processo da terapia corporal, que é um dos pilares do trabalho relacional sistêmico.

As quatro etapas são: chorar a dor, expressar a raiva, limpar a culpa e refazer projetos.

  1. Chorar a dor: é a primeira fase para lidar com a perda. Pressupõe o choro real, bem como todas as outras formas de “chorar” a dor do momento (falar sobre o acontecido, reclamar, blasfemar) e também receber colo, compreensão e aconchego, ficar atento aos sonhos, desejos e fantasias. Só após haver chorado a dor da perda, pode-se entrar em contato com emoções, sentimentos e desejos;
  2. Expressar a raiva: por serem situações de muita impotência, as perdas trazem muitos sentimentos ligados à raiva (incompreensão, não aceitação, solidão, incompetência, responsabilidades) que precisam ser expressos antes de seguir adiante. Por ser a raiva uma das emoções primárias, ela precisa ser literalmente expressa (através de exercícios e movimentos que trazem a raiva para o corpo, e ela pode ser liberada de forma catártica), além de ser expressa verbal e simbolicamente. Só após ter expressado e liberado a raiva, a pessoa pode entrar em contato com a culpa, sem riscos;
  3. Limpar a culpa: em todas as situações de perdas, os envolvidos vivem sentimentos e sensações de culpa. Mesmo que, racionalmente e conscientemente, o cliente não relate nem demonstre sua vivência de culpa pela situação de perda, é necessário que o terapeuta saiba que, em algum lugar do inconsciente ou do irracional, existe esse sentimento e abra possibilidades de o cliente limpar a culpa, mesmo que não traga à consciência sua existência. A melhor forma de liberar os sentimentos e sensações de culpa é quando se usam rituais terapêuticos, tendo em vista que esses sentimentos, na maioria das vezes, são irracionais e incompreensíveis.;
  4. Refazer projetos: após chorar a dor, expressar a raiva e limpar a culpa, o cliente estará apto a voltar sua atenção para sua vida. Nesse momento, inicia-se o trabalho de definir novos projetos de vida, com as novas situações e a identidade que a perda proporcionou. Muitas vezes, o cliente não quer acompanhamento terapêutico, e o terapeuta deixa de envolver-se nessa fase. Em outros casos, o cliente necessita ou quer a ajuda do terapeuta; então, o processo terapêutico passará a funcionar nos moldes de um trabalho relacional sistêmico focado nas aprendizagens e mudanças.

A qualidade do trabalho em cada uma das etapas direciona e prepara a próxima. O tempo de trabalho em cada etapa depende da intensidade das emoções e do funcionamento da pessoa. Deve-se dar o tempo necessário, mas  ficando atento para não ser conivente com a procrastinação da pessoa em viver as fases.

Cada pessoa faz o processo de lidar com as perdas da sua forma, dependendo:

  1. Do seu padrão de funcionamento;
  2. Das circunstâncias;
  3. Do acompanhamento:
    1. Terapêutico: se está em processo terapêutico, o foco do trabalho;
    2. Relacionamentos: as pessoas importantes e os relacionamentos que participam dessa experiência de perda.

Alguns cuidados que devem ser tomados pelos terapeutas e pelas pessoas envolvidas:

  1. Não supervalorizar a perda, não depositar suas dores e perdas no acompanhamento da pessoa em questão;
  2. Não desqualificar a perda, por sua própria experiência ou dados racionais;
  3. Não apressar o processo;
  4. Não ficar conivente com a procrastinação do processo.

 

*Texto escrito a partir da Live com a Associação Terapia Familiar de Minas Gerais, 04/06/2020.