Mudanças e Casal

Solange Maria Rosset

Junho de 2017

 

Um sem número de obras e apresentações tem se dedicado a apontar e pontuar as mudanças nas relações conjugais nos últimos anos.

Tais mudanças ocorreram no seio do casal, nas famílias e na sociedade em geral. Algumas delas afetam diretamente a relação do casal.

As tarefas e a forma de lidar com elas não são mais as mesmas. Muitas das atividades diárias de um casal de 30 anos atrás não existem mais hoje, como arear chapas de fogão, passar enceradeira ou escovão; outras, têm formas mais práticas e funcionais de serem realizadas: cozinhar, lavar roupas e louças, fazer compras.

A divisão de tarefas também mudou muito. Não é mais o conceito de tarefa de mulher ou tarefa de homem que define quem faz o que, mas o tempo disponível, as potencialidades e as competências de cada um, bem como o contrato que cada casal faz sobre as tarefas e sua divisão. Inúmeros exemplos desse assunto já apareceram na minha prática clínica com casais: o marido que, inconformado com as roupas mal passadas, foi fazer um treino de passador numa lavanderia e ficou responsável por essa tarefa familiar; o casal que, em função dos horários, definiu que o marido cozinhava no almoço e a mulher no jantar; o casal que definiu: ele cozinhava de Segunda a Sexta, e ela Sábado e Domingo; o casal que combinou: quando o dinheiro estava sobrando ou mais frouxo, ele fazia as compras de supermercado, mas quando o dinheiro era pouco ou curto, ela é que ia às compras; além de outras aprendizagens e contratos que os casais fazem, dependendo da fase de vida familiar, dos desejos, e das habilidades.

Os valores sociais e individuais também mudaram muito. O que era certo, correto, bom, há décadas, hoje pode ser diferente, ou pode ser questionado e reavaliado continuamente pelo casal. Em casais mais funcionais e flexíveis, é possível enxergar como as regras e até os valores podem se transformar e se adaptar às etapas de vida da família e dos filhos, da vida em comum e, inclusive, das aprendizagens e flexibilização que podem fazer a partir das diferenças de regras, valores, fluxos que a família de origem de cada um tinha ou ainda tem. 

Ainda as questões relacionadas com dinheiro e trabalho sofreram alterações. Quem ganha, como ganha, o que faz com o dinheiro, entre outros itens; tudo é organizado, discutido e assume formas diferentes para cada casal em particular. Eles podem abrir mão dos pré-conceitos ou das regras externas e rever e negociar o que é mais funcional, mais interessante ou de maior aprendizagem naquele momento de vida. E assim acontece em cada nova fase que precise de avaliação e reformulação. Não existe mais o jeito certo ou pré-definido de lidar com tais questões; aquele que deve ser obedecido e seguido.

O poder que o dinheiro traz e dá continua existindo, mas os casais passaram a dar valor e a obter poder também em outros ângulos da relação, como crescimento e desenvolvimento, habilidades emocionais e relacionais. Um casal, em que ela tinha disponibilidade e energia inesgotável para trabalhar, e com isso ganhar mais dinheiro, e o parceiro precisava muito mais de horas de lazer e descanso, e com isso trabalhava menos e ganhava menos, conseguiu adaptar essa diferença fazendo uma divisão, meio a meio, das despesas com a família. Com o que sobrasse do seu dinheiro, cada um fazia o que quisesse.

Existe ainda outro aspecto das mudanças na relação de casal: as pessoas estão com menos ilusão a respeito da idealização da relação e dos parceiros. Essa desilusão leva os participantes a terem dados mais reais a respeito de como podem contribuir e do que esperam dos parceiros. O casamento, ou a relação de casal, passa a ser um espaço que possibilita experiências, crescimento, aprendizagens, além de ser um espaço para amar e ser amado. Muitos casais que atendi, e que estavam se organizando para viverem juntos, usavam a consciência de suas carências afetivas e de seus desejos relacionais como indicadores do que poderiam contatar, negociar, barganhar, mas sabendo que cada um deveria investir na sua própria felicidade e bem estar, ao invés de esperar que o outro fosse o seu continente supridor.

As mudanças sociais e morais trouxeram outros tipos de união, além daquela tradicional, de casamento religioso e civil entre um homem e uma mulher. As vivências do casal, com variáveis na sua ligação (divórcios, recasamentos, famílias reorganizadas de várias formas, relações funcionais e afetivas com ex-cônjuges) e experiências familiares diferentes (uniões homossexuais, diferenças de idade, cultura e crenças), trazem tipos de conjugalidades variadas e, às vezes, inusitadas. Isso possibilita novas experiências, novas aprendizagens e novos objetivos nos relacionamentos. Uma conhecida minha, descasada de um homem que estava já no seu quarto casamento (ela fora a segunda esposa), disse-me que o segredo do bom relacionamento do seu filho com o pai e com os irmãos das outras relações era, sem dúvida, a dedicação e o esforço que ela sempre tivera para ter relacionamentos racionais, afetivos e companheiros com as outras três mulheres de seu ex-marido.

Hoje em dia, muitos casais estão construindo um relacionamento com características muito diferentes dos padrões tradicionais. Acompanhando esses casais, tenho visto que as relações são mais vivas e verdadeiras. Digo que eles são mais funcionais, o que significa que seus movimentos levam ao crescimento, à aprendizagem e são coerentes com as condições do seu contexto e da sua vida.

Fazer essas mudanças em parceria é uma dadiva! Dá coragem, força e entusiasmo.