O CASAL NOSSO DE CADA DIA

Solange Maria Rosset

Setembro de 2004.

 

I - AS RELAÇÕES DE CASAL

•  Mudanças nos casais e nas relações nas últimas décadas

Um sem número de mudanças aconteceram nas relações conjugais nos últimos anos. Essas mudanças ocorreram no seio do casal, nas famílias e na sociedade em, geral.

Algumas dessas mudanças afetam diretamente a relação do casal e sua organização.

Entre elas, podemos citar como muito importantes:

•  As tarefas e a forma de lidar com elas não são mais as mesmas. Muitas das atividades diárias de um casal de 30 anos atrás não existem mais hoje: cozinhar, lavar roupas e louças, fazer compras, hoje têm formas mais práticas, funcionais de serem realizadas. E a divisão de tarefas também mudou muito. Não é mais o conceito de tarefa de mulher e tarefa de homem que define quem faz o que, mas o tempo disponível de cada um, as potencialidades e competências de cada um, e o contrato que cada casal faz sobre as tarefas e sua divisão.

•  Os valores sociais e individuais também mudaram muito. O que era certo, correto, bom há décadas hoje pode ser diferente, ou pode ser questionado e reavaliado continuamente pelo casal.

•  As questões relacionadas com dinheiro e trabalho também sofreram alterações. Quem ganha, como ganha, o que fazer com o dinheiro, entre outros itens são organizados e discutidos e assumem formas diferentes para cada casal em particular. Não existe mais o jeito certo ou pré definido de lidar com essas questões. O poder que o dinheiro traz e dá, continua existindo, mas os casais passaram a dar valor e a obter poder também em outros ângulos da relação, como crescimento e desenvolvimento, habilidades emocionais e relacionais.

•  Outro aspecto das mudanças na relação de casal é o de que as pessoas estão com menos ilusão a respeito da idealização da relação e dos parceiros. Essa desilusão leva os participantes a terem dados mais reais do que podem contribuir e do que esperam dos parceiros. O casamento ou a relação de casal passa a ser um espaço que possibilita experiências, crescimento, aprendizagens. Além de um espaço para amar e ser amado.

•  As mudanças sociais e morais trouxeram outros tipos de uniões além da tradicional de casamento religioso e civil entre um homem e uma mulher. As vivências do casal de variáveis na sua ligação - divórcios, recasamentos, famílias reorganizadas de várias formas, relações funcionais e afetivas com ex cônjuges - e experiências familiares diferentes - uniões homossexuais, diferenças de idade, cultura e crenças- nos trazem tipos de conjugalidades variadas e as vezes inusitadas. Isso possibilita novas experiências, novas aprendizagens e novos objetivos nos relacionamentos.

2. Casais funcionais

Alguma características que vejo nos casais funcionais atuais:

•  Sabem preservar sua feminilidade/masculinidade e sabem como criar momentos românticos, embora não façam disso o aspecto mais importante da relação. Gostam de viver uma lua-de-mel, mas têm plena consciência de que, na vida, tem hora para tudo.

•  Combinam amor eró­tico com amizade, e essa combinação é um dos objetivos fundamentais da relação

•  Preocupam-se em dar coisas a si mesmas, sem depender tanto de um parceiro para ficar de bem com a vida.

•  Eles se fortalecem através das dificuldades do amor e da vida a dois, abrindo mão da magia em troca do real, e apren­dem com os erros que cometem.

•  Sabem que as relações saudáveis so­brevivem apenas com muita dedicação e que o amor exige es­forço contínuo.

II - A TERAPIA DE CASAL

1. O Padrão de Funcionamento de Casal dos pais do terapeuta

Mais importante do que o conteúdo que os pais passam é o padrão repetitivo de relação que o casal tem. Esse padrão - uma forma repetitiva e compulsória de ser e reagir nas relações de casal, e que define a maneira de pensar, sentir e atuar nas relações - vai sendo passado paulatinamente para os filhos e vai no subconsciente e no subliminar definindo o padrão que o filho terá nas suas relações afetivas, amorosas e de casal.

2. A História pessoal e profissional do Terapeuta

A história pessoal do terapeuta influenciará todas suas escolhas profissionais, mas acredito que no trabalho com casais essa influência é mais crucial.

Desde a primeira vivência com casais que a pessoa tem no momento que seus pais sabem que estão grávidos - os sentimentos, as emoções, dúvidas, conversas que circulam - começam a impregnar com a noção e as definições do que é um casal, como lidam com as situações, porque ficam juntos, o que os mantém ligados, entre muitas outras.

Suas relações de parceria afetivas, sua experiência como homem/mulher, ter filhos ou não, casar/juntar/descasar - vão definindo e redefinindo a postura e o padrão do terapeuta.

Suas formações profissionais, as coincidências e escolhas, as experiências com clientes vão consolidando a forma de atuar e compreender um casal e o trabalho terapêutico com casais. As concepções que suas teorias de base têm sobre vínculos, parcerias, casais vão reforçando e reorganizando a atuação profissional.

•  Mudanças de enfoque na terapia de casal

Quando comecei a trabalhar com terapia de casal, os casais buscavam terapia só quando a situação já estava insuportável. Na maioria das vezes, a razão da terapia era a busca de um ringue para as suas rotineiras e graves brigas ou de um auxílio para realizar a separação. O terapeuta era eleito como o juiz que iria dizer quem estava certo ou como o mágico que conseguiria fazer com que o outro mudasse e aceitasse as demandas desse.

Os objetivos da busca de terapia mudaram. Hoje, um número grande de casais procuram ajuda para melhorar a qualidade das suas relações. A terapia deixou de ser um ringue ou confessionário e passou a ser um espaço de aprendizagens e aprimoramento.

•  Eu como terapeuta de casais

•  O padrão dos meus pais

Com base no padrão de relacionamento de casal que meus pais tinham, fui criada: meu pai me incluindo, não na relação deles, que sempre foi claramente só deles, mas na relação de parceria com ele, e minha mãe mostrando para mim e para quem quisesse ver que para ela ele era o foco (tanto nas qualidades e bons momentos, como nas loucuras e sofrimentos).

•  Minha história de vida

Aprendi a viver sozinha; trabalhei e fui economicamente autônoma muito cedo; casei aos 18 anos; criei filhos; casei filhos; tenho enteadas-netas.

Essas e outras experiências me ensinaram a ser independente, a ser e lidar com as questões de casal de uma forma concreta, de frente, sem ilusões, mas como um espaço que me ajudava a ser ousada, a voar, mas tendo sempre um ninho para me aquecer.

•  Minha história profissional

Fiz minha formação em Psicodrama, Terapia Corporal e Formação Sistêmica.

Atendi famílias e casais.

Estruturei cursos de Formação. Organizei a Terapia Relacional Sistêmica. Escrevi livros. Criei e encerrei muitas experiências profissionais.

4.4. Meu trabalho com casais hoje

4.4.1. Técnica

Na minha forma de fazer terapia de casal, atualmente, antes de iniciar o trabalho com os conteúdos e padrões dos casais, dedico tempo e energia para desenvolver nos participantes uma pertinência adequada para a mudança . Foco o desejo de cada um deles em mudar seu jeito de ser e estar naquela relação, e à partir dessa mudança poderem mudar o padrão de interação do casal. Acredito que mergulhar na crise do casal com um nível muito baixo de disponibilidade para se responsabilizar e mudar, é um risco de aumentar a dor dos participantes sem a possibilidade de criar novas estratégias para as dificuldades que têm.

Esse trabalho com o objetivo de desenvolver pertinência começa já no primeiro telefonema. Não facilito muito a vinda do casal e já começo a trabalhar a pertinência para a mudança levantando questões, passando tarefas, refletindo ângulos.

O trabalho terapêutico irá focar o padrão de funcionamento do casal. O que está acontecendo, como acontece e prá que acontece. Desta forma não me atenho aos conteúdos mas direciono para que eles tenham cada vez mais consciência de como funcionam, de que forma reagem, quais são suas compulsões. Trabalhar desta maneira, evita o risco dos parceiros virem à terapia para que o outro mude e foca a mudança em cada um deles e na forma que se relacionam.

4.4.2. Posturas

Hoje, minha forma de trabalhar é esta: sou um instrumento de auxilio para os meus clientes irem adiante no seu processo de vida.

Hoje tenho muito menos verdades, muito mais disponibilidade. Hoje o meu melhor é aquilo que posso ter ou dar de mais útil para os casais readquirirem a sua potência de mudança e compreensão.

Sou uma terapeuta que uso tudo o que sei - vivências, leituras, aprendizagens, técnicas, relacionamentos - tudo o que tenho disponível - técnicas, encaminhamentos, momentos e situações - para auxiliar os meus clientes a terem cada vez mais consciência da forma como funcionam, a adquirirem cada vez mais controle e responsabilidade sobre seus atos e relações.

Hoje eu tenho certeza de que além de toda técnica, de toda teoria, de toda a compreensão, o que realmente faz a diferença, o que realmente me torna uma terapeuta eficiente é minha forma de relação com os clientes.

É minha possibilidade de ser firme quando a situação exige, mas acima de tudo de ter compaixão pela dor, pela dificuldade, pela resistência e pelo sofrimento de quem me procura para terapia.

III - CONCLUSÕES

Duas idéias, concluem meu trabalho com casais:

•  Minha crença de que o espaço de casal é o lugar privilegiado para que as pessoas percebam seus padrões de funcionamento, tomem contato com as aprendizagens pessoais que são necessárias e assim possam fazer as mudanças pertinentes no seu próprio padrão de funcionamento e no padrão do casal.

•  O que importa não são as dificuldades ou facilidades de um terapeuta. O que realmente faz diferença é o nível de consciência que ele tem delas, pois só assim poderá ter controle, e se for o caso, alterá-las.