Rejeitar e ser rejeitado no jogo relacional *

Solange Maria Rosset

 

Eu cresci numa família com um pai com muitos altos e baixos, mas com uma característica interessante. De ensinar aos seus filhos que eles poderiam ser sinceros nas suas opiniões e solicitações. Não precisávamos ser rudes mas poderíamos ser sinceros. Essa experiência, desde a mais tenra idade, nos levou a acreditar que aceitar, rejeitar, recusar, dizer sim, dizer não faziam parte das várias possibilidades relacionais. E que os outros também, naturalmente, poderiam fazer e dizer isto para nós. E, por causa disso, rejeitar e ser rejeitado fazia parte do relacionamento diário da família.  Logo descobri, porém, que na maioria das famílias isso não acontecia!

  Na maioria das famílias não é comum ensinar às crianças que rejeição é um aspecto relacional inevitável e importante. Pelo contrário, o que se ensina é que rejeição é uma coisa ruim, que machuca, e, portanto, deve ser evitada. O resultado é que as pessoas crescem acreditando nisso e chegam à vida adulta com muito receio de serem rejeitadas e de rejeitar. E quando são rejeitadas – o que acontece a todo momento – ficam infelizes, se deprimem, se revoltam. E quando deveriam rejeitar – o que é necessário inúmeras vezes na vida e nas relações – se sentem mal, se deixam invadir, se sentem culpadas, não sabem fazer.

Se tivessem aprendido que rejeitar e ser rejeitado são situações naturais, que são até mesmo um direito relacional, tudo poderia ser diferente.

Saber que rejeição não encobre maldade, safadeza ou desamor dá mais chances de se relacionar amorosamente sem tantos receios defensivos. Lidar desta forma com a rejeição dá uma leveza extra às relações de amizade e familiares. Assim, quando fossem rejeitadas, as pessoas saberiam que naquele momento o outro esta apenas querendo ficar só, dedicar-se a alguma atividade pessoal, ou não satisfeito com o rumo dos acontecimentos. E, quando elas mesmas não estivessem disponíveis, explicitariam seu desejo com sinceridade, com afeto e sem culpa.

Como terapeuta, tenho discutido muito isto nas últimas décadas. Muita gente se sente oprimida pela questão de se sentir rejeitada e por querer fugir disso. Ao enxergar que é inevitável - faz parte da vida, não é bom nem ruim, é um direito do outro me rejeitar, e um direito meu não sofrer por isso – novas possibilidades podem se abrir. Da mesma forma, as possibilidades de ser o rejeitador – dizer não, colocar limites, recusar – muda de figura.  E se torna só mais uma parte do relacionamento.

Rejeitar e ser rejeitado seriam só mais dois aspectos de uma relação – amorosa, familiar, de amizade - que poderiam ser discutidos abertamente como uma forma dos envolvidos se conhecerem e se respeitarem.

*Texto publicado no caderno Viver Bem da Gazeta do Povo, domingo, 8/9/2013