Relações familiares: Privacidade
Solange Maria Rosset
abril de 2022
A maioria das pessoas tem dificuldade em saber o que é do departamento público e o que é do departamento privado. Ensinar esses conceitos para as crianças é uma tarefa difícil e delicada, pois a separação entre os dois é sutil, tênue e mutante.
A lucidez sobre o que é público e o que é privado começa a ser construída nos primeiros momentos de vida; depende da forma como o parto e os primeiros instantes do bebê acontecem. O nascimento deveria ser um momento de total intimidade entre a mãe, seu bebê, que é parte íntima dela, e o pai, que é o coautor da magia e intimidade. Muitas vezes, é esquecido que é um ato de intimidade, que deveria ser rodeado de privacidade e respeito.
E, a definição do que é íntimo continua sendo construída no passar dos anos e das fases. No entanto, algumas reflexões são importantes.
Contar os segredos dos filhos pode encobrir a deslealdade com a intimidade e a privacidade dos mesmos. Inúmeros adultos relatam que perderam a possibilidade de ter intimidade com seus pais; e a maioria deles lembra que isso começou a acontecer quando eram crianças e compartilhavam com seus pais suas dificuldades, suas conquistas, seus sentimentos e, quando menos esperavam, esse assunto estava nas conversas dos parentes, dos vizinhos, dos professores.
Outra questão muito séria, é a de que a maioria dos pais acha que tem direitos de invadir a privacidade dos filhos, em nome dos cuidados, em nome de manter o controle sobre coisas erradas que ele possa fazer, e outras razões que podem ser realmente necessárias. Com esse álibi, cometem atos que, além de invadir a intimidade dos filhos, de deturpar a noção do que é pessoal, familiar, público, cortam, aos poucos, os laços de afetividade e intimidade entre eles.
Uma outra questão, também ligada à definição de privacidade, é o excesso de intimidade entre pais e filhos. É comum encontrarmos mães que se orgulham de serem “as melhores amigas” das suas filhas. Pais que repetem essa afirmação são mais raros, mas existem. Quando essa situação acontece, é possível que, nessa família ou nesse vínculo, encontremos funções invertidas ou não desempenhadas, intimidades devassadas.
Não é tarefa e função de mãe ser a melhor amiga e confidente da filha. Para desempenhar as funções indispensáveis de maternagem e paternagem, os pais precisam ter papéis e funções claramente definidos e fazer uso adequado da autoridade. Amigo e confidente não tem essa tarefa. Filhos devem ter amigos e confidentes da sua própria idade, etapa e competência. Pais são orientadores e organizadores; precisam ser. E para isso, o excesso de intimidade pode atrapalhar. O limite entre ser intimo dos filhos e realizar as funções parentais é tênue, e depende do que os pais viveram nas suas próprias histórias.
Pais podem ser amigos, confidentes dos filhos, quando estes já tiverem idade e competências suficientes, quando forem adultos. Então, será puro prazer compartilhar de igual para igual. Entretanto, isso só é possível e só vai acontecer se souberem manter as limitações, tarefas e funções de cada uma das fases.