O USO DE RITUAIS NA PSICOTERAPIA

Solange Maria Rosset

Agosto de 1995.

 

1. Teoria geral sobre rituais

     1.1. Definição
     1.1.1. Ritual é um processo destinado a reelaborar as interações rotineiras num tempo e espaço especiais que estão fora dos limites usuais da interação cotidiana.
     1.1.2. Rituais são atos simbólicos que incluem as cerimonias e também o processo de preparação. Incluem palavras ou não, contém partes abertas e fechadas que se mantém unidas por uma metáfora orientadora.
     1.1.3. Ritual é uma expressão em termos metafóricos dos paradoxos da existência humana.

 

     1.2. Histórico, usos e funções
     No campo da antropologia encontramos relatos e descrição de rituais em todas as culturas e raças, ocupando de alguma forma espaços e ocasiões fora das rotinas e sempre ligados a crenças em seres ou poderes místicos ou mágicos.
     O ritual foi introduzido formalmente nos modelos sistêmicos de terapia familiar em 1974 por Mara Selvini Palazzoli, num livro onde falava sobre a mudança do enfoque psicanalítico para o enfoque sistêmico e como o uso desta estratégia era útil com famílias que tinham um padrão comprometido de funcionamento.
     Aos poucos os outros modelos de terapia sistêmica foram adotando e adaptando o uso de rituais na sua forma de trabalho.

 

2. Rituais na psicoterapia

     2.1. Funções dos rituais
     2.1.1. Ser um sistema de intercomunicação entre níveis, sistemas e/ou dimensões.
     2.1.2. Manter dois aspectos de uma mesma contradição, ou seja , manejar os paradoxos fundamentais (vida/morte, ideal/real, bem/mal etc.) .
     2.1.3. Ser um meio de apoio e contenção nas emoções fortes.
     2.1.4. Integração entre indivíduos, famílias e comunidade, ou entre passado, presente e futuro.
     2.1.5. Manter a dualidade conectando estrutura e significado.
     2.1.6. Possibilitar a expressão e experimentação de coisas que não se pode por em palavras, ao vincular o analógico ao digital.

 

     2.2. Etapas dos rituais
     2.2.1. Separação ou preparação : é tão importante quanto o ritual em si, engloba todas as pesquisas, preparações ,conhecimentos e atitudes necessárias e relacionadas com o ritual.
     2.2.2. Participação ou concretização : é o ritual em si, onde se vive novas situações, novos papéis, se experimentam situações.
     2.2.3. Reintegração : é a volta a situação rotineira mas com as diferenças que o ritual possibilitou.

 

     2.3. Tipos de rituais
     2.3.1. Pertenência : usados para facilitar a ampliação ou redução dos membros da família, para redefinir o significado das pertenencias, para facilitar entradas e saídas, para definir fronteiras, para famílias com novos casamentos etc.
     2.3.2. Cura : rituais para assinalar a perda de um membro, para facilitar a expressão da dor e apontar novas direções na vida, para lidar com perdas de situações, funções ou papéis , para "limpar" situações mal resolvidas, para retomadas e reconciliações.
     2.3.3. Definição e redefinição de identidade : usados como ritos de passagem, para integrar crises e fases da vida, para desbloquear rótulos cristalizados.
     2.3.4. Expressão e negociação de crenças : para lidar com conflitos inter ou intra pessoal entre crenças.
     2.3.5. Celebração : para celebrar as transições dos ciclos de vida, sempre que se precisa de celebração, homenagem, demarcação de um tempo especial.

 

     2.4. Outros aspectos
     2.4.1. Diferença entre rituais e tarefas
     Os rituais trabalham com múltiplos níveis, tem partes abertas e fechadas, se apoiam em símbolos e ações simbólicas, e a preparação é parte essencial.
     As tarefas se concentram mais no nível das ações, dão mais importância às prescrições com um resultado previsível, se apoiam mais no concreto, e a força está em fazer a tarefa e não na preparação.
     2.4.2. Avaliação da conduta ritual dos clientes

     No atendimento clínico é importante a avaliação das condutas rituais rotineiras do cliente. Isso pode ser feito pesquisando os rituais da família de origem e os próprios relacionados com datas importantes, com ciclos de vida, com mudanças de fases, rituais diários e semanais, e rituais idiossincráticos. Ao avaliar um ritual vai se procurar ver se é rico em detalhes ou simples, se é cristalizado, a "idade" do ritual, se é solitário ou compartilhado, entre outros aspectos que surgem.
     Essa avaliação é indispensável para se definir qual o melhor ritual para aquele cliente específico.
     2.4.3. O sintoma como ritual
     Ao se avaliar o sintoma como um ritual pode-se usar os mesmos parâmetros que se usa para avaliar qualquer outro ritual. Ao se compreender os rituais sintomáticos pode se usar seu significado e simbolismo para abrir outras opções.
     2.4.4. A terapia como ritual
     A mesma avaliação pode ser feita com relação à terapia, e desta forma enriquecê-la . O uso das fases do ritual para compreender o processo terapêutico pode ajudar a transpor com facilidade as etapas terapêuticas.

 

3. Técnica dos rituais em psicoterapia

     3.1. Quando e porque usar o ritual
     Um ritual, como qualquer outra técnica ou estratégia terapêutica deve ser usado somente quando o processo terapêutico não está se desenvolvendo satisfatoriamente.
     Se usa um ritual e não outra técnica qualquer quando o objetivo que se quer atingir está coerente com as funções básicas dos rituais.

 

     3.2. Riscos do uso de rituais
     O risco de uso dos rituais é sempre relacionado com o uso inadequado desta estratégia terapêutica. Isso ocorre quando se usa exageradamente e indiscriminadamente os rituais, quando não se avalia a conduta ritual básica do cliente e a adequação do tipo de ritual, quando o objetivo do trabalho ritual não é claro para o terapeuta , quando o cliente não está envolvido no processo, entre outros.
     Esse mau uso dos rituais pode desde não auxiliar o processo terapêutico até criar novas dificuldades para cliente.

 

     3.3. Cuidados necessários
     Avaliar a conduta ritual do cliente e seus sistemas de pertinência, elaborar cuidadosamente cada passo do ritual, envolve o cliente no clima e no processo, compreender o aspecto inconsciente e energético do ritual sem cair nos exageros "mágicos", compreender que o uso de rituais é um auxílio ao processo e não uma forma de evitar aprendizagens e responsabilidades.

 

     3.4. Elaboração de rituais
     3.4.1. Símbolos
     Os símbolos e ações simbólicas constituem a base do processo ritual. Os símbolos devem incluir objetos e/ou palavras que representam a possibilidade de modificar crenças, relações ou o significado dos acontecimentos. É importante que esses símbolos tenham conexão com o cliente, sejam parte do processo, da história ou do simbolismo dele. A seleção destes símbolos será feita a partir da linguagem explícita do cliente, da escolha do terapeuta baseada nos motivos, problemas e objetivos, e da escolha do cliente.
     3.4.2. Aspectos abertos e fechados
     Aspectos abertos são ítens do ritual que o cliente pode escolher como fazer de acordo com sua criatividade, espontaneidade e improvisação; aspectos fechados são aqueles que o cliente deve fazer sem variações. Um ritual deve incluir os dois aspectos e a decisão sobre eles vai se basear no estilo do cliente (rígido, espontâneo, etc), no objetivo do ritual, na escolha do cliente, entre outros.
     3.4.3. Tempo e espaço
     O tempo se refere a que momento se realizará o ritual, por quanto tempo, quantas vezes, mas também a determinação deste tempo de desenvolvimento do ritual como um "tempo especial" que possibilitará vivê-lo como um tempo ritual, diferente do tempo da vida cotidiana, e também para compreensão que o ritual é algo temporário e não uma atividade para ser desenvolvida por toda a vida.
     O espaço se refere a onde vai se realizar o ritual, e deve ser coerente com o objetivo do ritual.
     3.4.4. Atitudes, atividades e ações
     As técnicas rituais podem incluir atitudes, atividades e ações específicas dependendo do objetivo do ritual, por exemplo : dar e receber, entregar objetos, compartilhar ou não o ritual, queimar, fazer relatórios ,etc.

 

Para complementação do assunto recomenda-se a leitura do livro:

     "Rituales Terapêuticos y Ritos en la Familia"
     E. Imber-Black, J.Roberts y R. Whiting
     Editorial Gedisa