Solidão, rejeição e privacidade na relação de casal

Solange Maria Rosset

 

No momento em que as pessoas casam, levam para o relacionamento experiências emocionais arraigadas desde a época da infância, que determinam o seu modo de reagir às situações. É importante que se tenha consciência desse fato para poder compreender melhor o outro e procurar negociar com ele formas de convivência menos conflituosas e mais prazerosas.

 

Todos aprendemos a lidar com questões relacionais básicas em nossa família de origem. Essas aprendizagens ficam inseridas no funcionamento de cada pessoa, ainda que ela tenha pouca ou nenhuma consciência disso. Na vida adulta, quando se iniciam os relacionamentos afetivos e conjugais, tudo aquilo que ficou gravado no íntimo dos parceiros reaparece na forma de comportamentos, desejos e sofrimentos. É o caso das emoções e experiências relacionadas ao manejo da privacidade, da solidão e da rejeição.

Mesmo sabendo que não existe um jeito correto de administrar esses sentimentos, cada um dos envolvidos reage a eles da maneira aprendida na infância como se fosse a melhor –  e sofre ou se queixa quando o parceiro tem outra forma de reagir.

Na maioria das famílias não é comum ensinar às crianças que rejeição é um aspecto relacional inevitável e importante, mas sempre uma coisa ruim, que machuca, e, portanto, deve ser evitada. O resultado é que elas chegam à vida adulta com muito receio de serem rejeitadas e de rejeitar. Se tivessem aprendido que esses sentimentos são naturais, que são até mesmo um direito relacional, e não encobrem maldade, safadeza ou desamor, teriam mais chance de se relacionar amorosamente sem tanto receio de serem tomadas por eles. Quando fossem rejeitadas saberiam que naquele momento o outro estava apenas querendo ficar só, dedicar-se a alguma atividade. E, quando elas mesmas não estivessem disponíveis, explicitariam seu desejo com sinceridade, com afeto e sem culpa. Rejeitar e ser rejeitado seriam só mais alguns aspectos da relação, que poderiam ser discutidos abertamente.

A maneira de encarar a solidão também depende do que foi aprendido no funcionamento da família, além, claro, da personalidade e das características de cada indivíduo. Se os parceiros aprenderam que ficar só é uma forma de se fortalecer e se reorganizar, vão levar isso para a relação. Haverá, então, momentos de isolamento de cada um e isso não representará risco. Ao contrário. As pausas na convivência poderão ser usadas para avaliações da relação e da forma como se desenvolve. Agora, se a necessidade de ficar só for de apenas um dos parceiros e trouxer fantasmas negativos de solidão, de rejeição e de abandono para o outro, este poderá sofrer, pois não compreenderá o desejo de sua cara-metade e terá dificuldade de fazer bom uso da própria solidão e recolhimento.

Da mesma forma, a necessidade de privacidade pode acabar se tornando um problema para o casal. Se o costume é dividir tudo, saber tudo do outro, o conflito pode surgir se um dos dois colocar algum limite nesse padrão. A intimidade que se tem ao virar casal é um elemento importante para experiências prazerosas, mas precisa ser permeada pelo respeito à privacidade. A invasão dela pode passar pela leitura de emails do outro, pelo controle do celular, por perguntas insistentes sobre o uso do tempo, enfim, pela necessidade constante de saber mais e mais sobre tudo que o parceiro faz, pensa ou conversa.

A consciência de que cada um pode ter desejos e necessidades diferentes do outro nos aspectos abordados aqui é fundamental para que um casal negocie formas de aproveitar melhor as chances que tiver para aprofundar a relação e se sentir melhor no convívio mútuo.