Tempo e Relação de Casal

Solange Maria Rosset

Julho de 2014

 

Com os casais que tenho atendido, nestes mais de quarenta anos de prática clínica e de ensino, tenho comprovado a tese teórica de que o casal é a história que seus membros contam. E, a forma como as questões do tempo são usadas para cristalizar a imagem do outro e da relação merece atenção e reflexão.

No relato sobre o outro e sobre a relação, as descrições ligadas ao tempo podem ser muito diferentes e criar histórias completamente diferentes para cada um do par.

Outra questão comum é de que os parceiros que estão em crise mantêm a imagem do outro bloqueada ou congelada no passado; seja no passado que era bom, seja no passado em que o outro fez algo de errado. Ë muito comum não enxergarem as mudanças e as novas nuanças do outro e da relação. Um homem, casado há 22 anos, reclamava da sua parceira dizendo que ela era fisicamente agressiva. Quando perguntei como acontecia e qual era a frequência das agressões físicas, ele relatou um episódio de quando eram recém-casados, em que ele fizera um comentário maldoso sobre uma amiga dela, e ela deu-lhe um apertão, querendo que ficasse calado. Ela estava com a mão por baixo da camisa dele e, quando o beliscou e ele se defendeu, cortou a pele dele com suas unhas. Para surpresa minha, e deles, esse era o único episódio real de agressão física; porém, os dois tinham um registro de que ela era fisicamente agressiva.

Com relação às brigas, também enxergo uma diferença importante. Quanto mais funcionais os casais são, ou vão ficando, mais eles brigam por situações atuais e concretas. Quanto mais disfuncionais eles estão, mais eles usam motivos e situações do passado para suas disputas e brigas. Os próprios casais percebem tal mudança nas brigas ou veem que as brigas atuais podem acrescentar novos aspectos e qualidade na relação, enquanto que os temas antigos, repetitivos e anacrônicos não trazem crescimento ou mudança.

As diferenças na maneira de cada parceiro lidar com o seu próprio tempo e com o tempo do outro também são responsáveis por muitas das dificuldades nos relacionamentos de casais. Tais diferenças aparecem tanto no dia a dia, como nos registros e relatos.

As diferenças são inevitáveis, mas o casal pode lidar, ou pode aprender a lidar, com elas de formas mais funcionais. Abrir mão de que o seu modo é o certo é o primeiro passo para aprender a flexibilizar, a cooperar e a se enriquecer com formas diferentes de lidar com o tempo. Com certeza, isso será mais útil do que competir sobre qual é a forma correta, ou usar as diferenças para desqualificar o jeito do outro.