Tempo e Espaço

Solange Maria Rosset

Setembro - 2000

 

O ser humano é a única criatura interessada no espaço e no tempo. Nós lidamos, não com o espaço e tempo "lá de fora", mas com o espaço e tempo da nossa mente.

Desde o início da humanidade, nós nos preocupamos com o espaço e o tempo, mas foi preciso a evolução biológica, a evolução cerebral para podermos "lidar" com tempo e espaço.

A evolução da linguagem permitiu que o nosso mundo mental de Espaço e Tempo se tornasse ilimitado, mas, não é um mundo perceptual e sim, um mundo simbólico.

O tempo é uma construção imaginária que organiza nossa percepção da realidade e controla a continuidade da nossa identidade através da seriação de transformações (biológicas, vínculos, etc...) a que somos submetidos ao longo da "viagem" que chamamos de vida.

Todos os seres vivos do nosso planeta experimentam mudanças ambientais segundo padrões periódicos, cíclicos. Estes padrões são criados pela mecânica interna do sistema solar. Portanto para as criaturas da terra esses processos se manifestam em eternas seqüências ordenadas.

Todas as formas de vida usam como estratégia - para se adaptar a esses padrões - a evolução de algum mecanismo fisiológico interno que regula o comportamento temporal do organismo. São os relógios biológicos ou internos que tem a função de sincronizar os padrões de comportamento de um organismo ao meio externo. São os primeiros organizadores do tempo e dão à vida uma estrutura temporal.

Os Relógios Biológicos são uma evolução genética, não podem ser mudados. Só a fase é que pode ser alterada (ex. a pós viagem à Europa). São controlados por processos bioquímicos (possivelmente governados pela glândula pineal).

As criaturas vivas adaptam-se ao Espaço passiva (ex. vegetais) ou ativamente (ex. animais). A percepção e adaptação ao Espaço e às propriedades espaciais dependem da compreensão e do processamento das informações recebidas. Depende da evolução e uso dos sentidos de longo alcance e do sistema nervoso. A evolução do cérebro (aumento de tamanho e aumento das circunvoluções) possibilitou ao homem perceber, gravar e usar as informações recebidas.

 

Sentidos de longo alcance: visão ligada a espaço e audição ligada ao tempo.

Os animais comunicam-se por sinais. Os homens por sinais e símbolos. Isso diferencia o tempo e espaço biológico (real) do simbólico. Os dois podem sobrepor-se, mas o tempo e o espaço biológico são o "aqui e agora". São tudo o que podemos perceber (contra o que podemos reagir ! ), são restritos e pequenos (podem estar aumentados nas pessoas evoluídas). O ser humano, além do "aqui e agora", inclui os mundos infinitos do tempo e do espaço simbólico. Inclui o "ontem" e o "amanhã" que regulam a vida dos seres humanos.

O presente é fugaz : aconteceu e já escapa para outra dimensão. A compreensão do Tempo serve então para sustentar a sucessão de presentes caóticos, de atos e percepções que apenas acontecem e já se desvanecem.

A percepção define o presente (que é somente espaço). A memória define o passado. A imaginação define o futuro.

A organização do perceber precisa de figura e fundo, que depende da recordação de percepções anteriores.

A linguagem permite ao cérebro, não só perceber objetos e acontecimentos no espaço e tempo, mas também, que os represente como conceitos, pense a respeito deles e comunique esses pensamentos.

Através da linguagem e do pensamento, podemos dividir as imagens memorizadas do passado. Elas podem, então, ser reagrupadas formando novas imagens que nunca existiram na imaginação, então, permite a criação do futuro.

Futurar recordações - memorizamos recordações de situações não concluídas que contém energia psíquica e tendem a ser futuradas, esperadas.

Recordações e situações não concluídas podem ser prazerosas e gerarem desejo, ou podem ser dolorosas e gerarem medo.

Futurar recordações: organiza nossa sucessão histórica, dá sentimento de continuidade do eu. O Eu sido, o Eu e o Eu por ser pertencem ao mesmo núcleo do eu.

Espaço é corporal - é energia, é movimento, que permite perceber o tempo. O "agora" é sempre corporal. O corpo é a nossa dimensão no espaço. É a energia que existe e continua por si próprio. Está encerrado no presente, no espaço. É sempre implacavelmente "agora".

O corpo se desloca sobre uma faixa imaginária entre a zona do que foi e do que será. O presente - constitui um passo no vazio, é o espaço do inesperado, esta fora do controle. O passado - é seguro, estável, conhecido. O futuro - nos o inventamos, é controlável.

A experiência do vazio (sem recordação, presente em branco) é insuportável - é a vivência da dissolução do eu. Para evitá-la, recorre-se à construção dos sistemas de continuidade: vínculos (mãe) e estruturas (pai). A sustentação do olhar (da mãe) e a transmissão da capacidade de ordenar a realidade (do pai) permitem que o filho seja capaz de começar a jogar o jogo de estar vivo, que consiste em conseguir ser ele mesmo, apesar da mudança impiedosa. Do contrário fragmenta-se e chega a ser muitos.

Para lidar com essa angústia existencial pode-se : (1) recorrer a explicações subjetivas e chegar ao delírio e neurose, ou (2) compartilhar estruturas chegando à saúde e cultura.

Para atravessar, em cada momento, a descontinuidade do presente, construímos verdadeiras estruturas de continuidade, verdadeiras tramas cotidianas. No espaço: ????????? bonificações, limites, e no tempo: ciclos, horários.

Esses mecanismos nos permitem percursos seguros neste espaço, tempo.

Antigamente, espaço e tempo eram concretos. Na luta pela sobrevivência se criou o calendário, que foi a primeira construção simbólica a regular o comportamento social observando atentamente o tempo. Passaram a ter uma visão circular e periódica do tempo baseados no sistema solar.

Os ciclos, especialmente os solares (dia e ano), servem para transformar, ilusoriamente, um processo linear, infinito e irreversível num processo circular, para : (1) criar uma outra oportunidade para resolver problemas da vida, e poder refazer o que ficou para trás. (2) colocar a idéia de renascimento, torna mais fácil lidar com a morte.

Os ciclos são imprescindíveis para compensar a vivência da irreversibilidade. As escalas de tempo estão relacionadas com uma estrutura de continuidade.

O relógio é o suporte da micro continuidade, vivida em seqüências corporais. Ele marca os segundos - o instante, que é o nível da corrente de consciência, constituindo gestalts. O dia - no nível dos hábitos, relaciona-se com o trabalho e organização instrumental.

O calendário, mede a macro continuidade, percebida imaginariamente. O ano - no nível do projeto vital, dos ciclos da vida. O século - no nível de transcendência, relaciona-se com o mistério do nosso nascimento e nossa morte, pois é a escala que supera nossa duração.

Tempo e Espaço como Estratégia Clínica

Tempo é vida. A consulta é um tempo privilegiado do cliente e do terapeuta. A infinitude desacelera o tempo. A finitude acelera e desencadeia altos e baixos.

A regularidade priva o vínculo terapêutico de altos e baixos, que são úteis para a perspectiva vincular e a operação modificadora. Abrir a perspectiva temporal ao serviço das metas de modificações propostas possibilita um manejo livre e criativo do tempo compartido.

A descontinuidade produz um corte nas seqüências defensivas. Desorganiza e abre a possibilidade de novas aprendizagens.

A inclusão de técnicas de mobilização, exercícios de sensibilidade com participação ativa do corpo, dramatizações e jogos que propõem ritmos distintos do intercâmbio verbal, determinam na subjetividade dos participantes outro tempo e outro espaço.

Texto escrito em 1986

Reorganizado em 2000