Uma pessoa adulta*

Solange Maria Rosset

março de 2020

 

A etapa de vida adulta é a fase de treinar e desenvolver autonomia. Autonomia não é meramente ter independência, mas ter a certeza de que pode se organizar sozinho, que sabe das suas competências e impotências, que tem clareza da sua capacidade e potência real. Também é a certeza de que sabe pedir, depender, aceitar o outro, receber ajuda, carinho e tudo o que lhe enriquecer ou fizer falta.

A qualidade afetiva e emocional de uma pessoa adulta depende do quanto ela responsabiliza-se por sua história futura, ou seja, do quanto ela dedica-se a limpar, perdoar, compreender a carga que recebeu, do quanto ela se encarrega de aprimorar-se e tornar-se um adulto enriquecido pelas experiências da infância, sejam as positivas, sejam as negativas. Um mesmo fato traumático pode amargurar toda a vida de uma pessoa ou pode servir de estímulo para ela reconstruir-se e construir novas e saudáveis relações.

É verdade que as experiências da infância determinam o nível de autoestima; porém, como adulto, a pessoa não pode continuar a culpar o passado por aquilo que sente no presente. Se fizer isso, continuará a “alimentar” os maus sentimentos a respeito de si mesmo.

Um adulto saudável trabalha para ter uma relação adulta e construtiva com os pais; não espera que os outros mudem para dar-lhe prazer, mas sabe que ele é que deve mudar, sem ter ilusões. Compreende que os pais não mudarão, não podem mudar; mesmo assim, estabelece relações amorosas com eles. Simultaneamente, aumenta a consideração e o respeito pelos pais. Sabe que, se ele próprio mudar, pode ser que todo o sistema mude. O primeiro movimento, porém, é seu.

Os filhos vivem muitos anos sob a influência das dificuldades que os pais apresentam, numa fase em que são totalmente moldáveis. Isso é verdade, mas não deve justificar atitudes contra os pais. A percepção da situação deve, sim, ser um ponto de partida para o autodesenvolvimento.

Cada um pode escolher, como adulto, assumir a responsabilidade de mudar o seu nível de autoestima e começar a curar os abusos do passado, de modo que possa se relacionar de maneira amorosa consigo mesmo, com seus parceiros e com seus filhos, além de criar uma vida familiar que seja diferente de suas próprias experiências da infância, de forma positiva.

*Texto reescrito a partir do Capítulo 5, página 67, do Livro “Terapia Relacional Sistêmica – Famílias, casais, indivíduos e grupo”.